Quem nasceu no Amazonas conhece bem as lendas
regionais que invadem o imaginário caboclo. Histórias passadas de geração para
geração, e que muito mais do que contos para assustar visitantes, refletem a
identidade cultural de povos indígenas que habitaram a Amazônia há pelo menos
40 mil anos. E foi inspirado por figuras como o Saci, o Curupira e o Mapinguari
que um ilustrador brasiliense (DF) decidiu dividir a vida de analista de
sistemas com a missão de promover o folclore amazônico por meio de histórias em
quadrinhos.
A natureza do criador
Eron Costa, de 48 anos, ou Ikarow Ilustrador, como
é conhecido no mundo geek, nasceu na capital do país, em Brasília. Ele contou
que a arte de desenhar o acompanha desde sempre e que antes mesmo de falar suas
primeiras palavras, já rabiscava folhas de papeis com lápis de cores. O nome de
trabalho (Ikarow) descende de uma lenda grega onde o personagem tenta alcançar
o sol voando sob asas de cera, mas acaba morrendo afogado no mar ao ter o par
de asas derretidas pelo calor da grande estrela
.
“Antes de eu falar eu já desenhava, a diferença é
que as pessoas param de desenhar quando crescem, e eu continuei. Sempre me
interessei por desenhar e ler quadrinhos pois sou fascinado por essa forma de
comunicação. Acredito que os quadrinhos são uma incrível forma de transferir
conhecimento, pois trabalha o cérebro não só lendo o texto, mas também
decifrando imagens”, revelou o artista.
Como nos quadrinhos de super-heróis, Ikarow também
divide a vida entre duas personalidades. Além de ilustrador, o desenhista atua
como analista de projetos – profissão na qual se qualificou profissionalmente.
Já a aptidão com o papel e as cores é mais natural do que parece, pois é como
autodidata, que o também roteirista desenvolve suas produções.
“Todo o meu trabalho é autodidata. Sou ilustrador,
roteirista, quadrinhista e colorista. Tenho pouco tempo livre porque viajo com
frequência, então precisava arranjar uma solução para continuar produzindo
mesmo quando estivesse em viagens. Por isso hoje eu faço o esboço de todas as
minhas artes e depois aplico as cores digitalmente, direto no Ipad”, esclarece
Ikarow.
A paixão pelo folclore amazônico
“Nosso folclore nos une como nação bem mais do que
a bandeira do Brasil”, destaca o desenhista.
O folclore brasileiro é como uma verdadeira mina de
ouro que poucos garimpeiros ainda exploram. Apaixonado por mitologias, o
artista destaca que sempre teve facilidade em encontrar informações sobre a
cultura grega, egípcia, nórdica, entre outras, mas se incomodava com a falta de
material para leitura sobre as histórias folclóricas do próprio Brasil.
“Eu sou apaixonado pela mitologia brasileira, e a
fonte dessas histórias começa aí na Amazônia, todos os mitos vem da floresta
como a Mãe d’Água, o Saci, o Mapinguari, Jurupari. A Amazônia é a mãe da
mitologia brasileira e você percebe isso quando viaja para essa região e
enxerga de perto como essas pessoas convivem com essa misticidade de forma
saudável, fazendo dessas lendas sua identidade cultural e dando extremo valor a
isso”, esclareceu o artista.
Foi a partir desse processo de autoconhecimento
cultural que Ikarow começou a desenvolver um universo de personagens da cultura
brasileira. Quem eram os Deuses cultuados aqui antes da invasão dos europeus?
Quem eram os povos que habitavam aqui? Como eram suas relações como o sagrado e
com o profano? Essas são algumas das perguntas que o quadrinhista se fez ao
assumir a responsabilidade de levar ao mundo a identidade folclórica da
Amazônia.
“Para escrever a ‘Rio Negro’ fui buscar referências
em livros muito difíceis de encontrar, alguns nem existem mais, e graças a Deus
a internet me ajudou muito por meio de resgates em PDF. Também estudei
pesquisas acadêmicas, onde cientistas recolheram relatos de indígenas que
contam sobre essas lendas ainda em suas línguas nativas. Ainda é tímido, mas
existe um movimento de resgate da cultura brasileira, trabalhando e pesquisando
muito”, disse o analista de projetos.
Rio Negro HQ
Foi dos anseios de quem buscava se orgulhar por sua
própria identidade cultural que nasceu a série em quadrinhos Rio Negro HQ.
Disponível por enquanto apenas em edição virtual, o conto dialoga sobre a
existência de seres aquáticos ainda desconhecidos nas águas região amazônica.
Ikarow revelou que a inspiração para o roteiro surgiu após uma conversa entre
ele e uma pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas do Amazonas (Inpa).
“Rio Negro é uma série em HQ e que já conta com 2
edições. Ela é inspirada na mitologia de vários personagens do folclore
brasileiro. A ideia inicial era fazer uma história curta, mas o conteúdo é tão
rico que decidi fazer uma série”, explica o artista que ainda completou: “Em
1997 uma cientista do Inpa pesquisava camarões na base do rio negro, mas acabou
achando um peixe diferente de tudo que ela já tinha visto. Ao recolher o animal
e levá-lo para o laboratório foi descoberto que ele não era uma espécie
catalogada e que o instituto não descobria uma nova espécie nos rios da
Amazônia há pelo menos 150 anos. Pesquisadores voltaram ao local e procuram
outro peixe igual aquele por 4 anos, mas nunca o acharam novamente”.
Atualmente a ‘Rio Negro’ já soma duas edições, e
sob a mesma ótica Ikarow também lançou mais um HQ virtual intitulado ‘Monstro’,
onde a lenda amazônica do Mapinguari é contada. Agora o ilustrador trabalha no
nascimento de mais uma obra, dessa vez o conto ‘A Bruxa’ deve trazer aos
leitores a lenda da Cuca, personagem metade jacaré e metade bruxa, criada pelo
escritor brasileiro Monteiro Lobato.
Mais informações sobre o trabalho de Ikarow
Ilustrador podem ser encontradas por meio das redes sociais do artista, que
levam o seu nome.
Edição: Bruna Chagas
*Artigo publicado originalmente por João Gomes, em 06
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