O objetivo do estudo foi evitar o agravamento desses problemas, além de trazer o reconhecimento de que roncar não é normal.
Um estudo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) utilizou histórias em quadrinhos para ajudar crianças em idade de pré-alfabetização a identificarem a presença de distúrbios do sono nelas mesmas ou em membros de suas famílias. Os desenhos ajudam no reconhecimento do ronco, insônia, síndrome da apneia obstrutiva do sono (uma espécie de parada respiratória durante o sono) e síndrome das pernas inquietas.
O objetivo do estudo foi evitar o agravamento desses problemas, além de trazer o reconhecimento de que roncar não é normal e pode significar problemas de saúde mais sérios. Foram submetidas a uma avaliação 548 crianças, com idades entre 6 e 10 anos, estudantes do ensino fundamental em escolas públicas e privadas.
Segundo a autora da pesquisa, Eleida Camargo, doutora em ciências da saúde, foram distribuídos questionários às crianças com questões referentes aos temas de distúrbios do sono. A maioria delas respondeu que acredita que roncar seja algo normal (57,9%) e apenas 39,6% reconheceram que o ronco possa representar sintoma de alguma doença.
Após a leitura das histórias em quadrinhos, que trazem esclarecimentos sobre os temas ligados aos distúrbios do sono de forma lúdica, o percentual de alunos que avaliaram o ronco como algo normal caiu para 37,3%. A maioria das crianças (61,4%) passou a identificar o ronco como um sintoma. Outro dado interessante da pesquisa foi a percepção de que o ronco é visto principalmente como um incômodo social. “A gente percebe que o hábito do ronco acaba sendo considerado negativo mais pelos seus aspectos culturais do que pelo reconhecimento de que pode ser uma doença”, disse.
O foco na faixa etária infantil, explica a pesquisadora, foi importante porque as crianças representam o futuro, além de terem papel fundamental ao despertar a atenção dos pais. “A população pediátrica é interessante porque ela é multiplicadora, as crianças são muito comunicativas, chegam em casa e falam para os pais. Estamos trabalhando preventivamente com uma geração, que vai se tornar adulta. Esse conhecimento vai se perpetuar ao longo do tempo”, explica.
O diagnóstico dessas doenças de maneira precoce, disse Eleida, torna seus tratamentos mais eficazes. O ronco primário infantil, por exemplo, quando não tratado, pode desencadear a apineia obstrutiva. “A longo prazo, quem tem essa apineia obstrutiva do sono está muito mais sujeito a ter problemas cardiovasculares ao despertar. Inclusive o AVC [Acidente Vascular Cerebral] chega a ser 40% mais propenso em homens adultos”.
Existem, além disso, casos de pacientes que se tratam durante anos contra a insônia, com medicação muitas vezes prejudicial, mas descobrem que o verdadeiro problema que possuem é a síndrome das pernas inquietas. De acordo com a pesquisadora, a insônia pode ser apenas uma consequência dessa síndrome, que se caracteriza pela necessidade de movimentação das pernas quando a pessoa entra em estado de relaxamento.
“Ela vai se deitar e começa a sentir formigamento na perna, que só melhora quando a movimenta. Então, a pessoa está com muito sono, mas começa a sentir aquilo. Ela começa a mover as pernas, o sono passa e ela vai dormir só de madrugada”, explica.
A síndrome das pernas inquietas tem difícil diagnóstico, muitas vezes em razão do próprio desconhecimento dos médicos. Entre as crianças, a detecção do problema é ainda mais complexo, uma vez que elas apresentam sintomas diferentes dos adultos. Eleida explica que os pacientes infantis conseguem superar o formigamento no momento de dormir, mas, ao acordar, o problema se manifesta de forma muito mais intensa. “Quando a criança está na escola, não consegue ficar parada e é diagnosticada equivocadamente com hiperatividade”, disse.
De acordo com a pesquisadora, o tratamento para a síndrome pode ser muito simples, apenas pela reposição de ferro. Por isso, essa doença é mais comum entre mulheres, justamente porque as pacientes femininas perdem ferro por meio da menstruação. Outra causa da síndrome, por sua vez, é o fator hereditário, que pode afetar famílias inteiras, esclarece a pesquisadora.
PUBLICADO ORIGINALMENTE NO CORREIO
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