Uma semana com muitas novidades nos quadrinhos. Entre Elas o Lançamento dos livros de Elydio do Santos Neto e Matheus Moura. Confira os releases!
Quadrinhos e Comunicação: entrevistas com autores e teóricos
A História em Quadrinhos no Brasil têm décadas de tradição como mercado e cultura de massa. Desde 1905 já se tinha a revista O Tico-Tico, dirigida à infância, com literatura e quadrinhos. Em 1929 surgiram os suplementos nos jornais, com a iniciativa pioneira de A Gazeta, seguida por Adolfo Aizen, em 1934, com o Suplemento Infantil. Bem antes disso, em 1869 nascia o personagem Nhô-Quim, por Angelo Agostini, marco fundador de nossos quadrinhos, em publicações como Vida Fluminense, O Malho e Dom Quixote.
Apesar do mérito de sermos protagonistas dessa arte, surpreende os quadrinhos até há pouco tempo não serem levados a sério, sendo até mesmo perseguidos e menosprezados como um produto pueril para um público pouco respeitável. Por força da reação persistente dos autores nacionais – que são alijados dos grandes projetos editoriais –, os quadrinhos ganharam relevo, visibilidade e espaço no meio acadêmico, mudando de forma substancial a forma de apreciá-los.
Hoje os quadrinhos são política governamental, que recomenda sua leitura nas escolas e estimula a adaptação de obras literárias para essa linguagem. São também, e cada vez mais, objeto de estudo na Graduação e Pós-Graduação de cursos de Comunicação, Artes Visuais, Sociologia, Linguística, História e outros domínios do conhecimento. Os quadrinhos ganham requinte de edições sofisticadas e são equiparados aos livros, frequentando as bibliotecas e sendo expostos nas livrarias.
Esse percurso evolutivo conta com a participação efetiva de uma geração de autores independentes, oriunda dos fanzines e que foi à luta, produzindo suas auto-edições. Com o tempo, adentraram a academia como estudantes e em seguida como professores, levando à paixão à arte a necessidade de investigação sobre sua linguagem, seus gêneros, suas expressões artísticas, sua força comunicativa e política, por intermédio de grupos de estudos, dissertações, teses e publicações.
É este cenário que o jovem autor e pesquisador Matheus Moura nos apresenta em sua obra Quadrinhos e Comunicação: entrevistas com autores e teóricos. O próprio Matheus é um editor independente, tendo publicado as entrevistas deste livro em sua revista Camiño de Rato e no site Toka de Rato, em que traça uma panorâmica dos quadrinhos autorais e sua inserção na academia. Retrato desse novo tempo para a arte, Matheus recentemente tornou-se mestre em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiás com dissertação exatamente dirigida aos quadrinhos, orientada por um dos mais renomados doutores na área, Edgar Franco.
O livro conta não só com a experiência criativa e acadêmica de Edgar Franco, mas de outros expoentes da pesquisa sobre quadrinhos, como Amaro Braga, Natânia Nogueira, Paulo Ramos, Gazy Andraus, Waldomiro Vergueiro, Elydio dos Santos Neto e Henrique Magalhães. Embora as entrevistas tenham sido feitas em 2009, o quadro continua atual, com alguns complementos devidamente feitos aos textos. Sem dúvida, esta é uma obra incontornável para se entender a importância dos quadrinhos na atualidade e seu merecido reconhecimento (tanto acadêmico quanto mercadológico).
Os quadrinhos poético-filosóficos de Gazy Andraus:
25 anos de quadrinhos e fanzinato
Em meados da década de 1990 florescia no país uma produção de quadrinhos que em nada se enquadrava nos padrões do que era veiculado no mercado. De forma independente, circulando nos fanzines e autoedições, o que passou a ser chamado de quadrinhos poético-filosóficos era a expressão mais pessoal de jovens quadrinistas que ousavam experimentar usando os recursos da linguagem, propondo novas abordagens temáticas, estéticas e modo de criação.
Para aglutinar essa produção, foi criada a revista Tyli-Tyli, depois rebatizada Mandala, pela editora Marca de Fantasia, em 1995. De início, a revista se propôs a publicar os trabalhos de Flávio Calazans, Edgar Franco e Gazy Andraus, então os mais inventivos e prolíficos na área. Logo a revista tornou-se não só um registro da obra desses autores, mas promoveu o despertar de outros, que viram no “novo gênero” a oportunidade de expressão de suas visões de mundo e inquietações pessoais.
A Tyli-Tyli/Mandala durou seis anos, com 13 edições, uma vida curta, porém intensa. Nela viu-se surgir inúmeras propostas visuais e textuais beirando as linguagens poética, fantástica, filosófica. São muitas as denominações desses quadrinhos extraordinários, em que cada autor encontra sua própria definição. A efervescência dessa produção era um reflexo da ânsia dos jovens por compreender e revelar as confusões e os paradoxos de um mundo num ritmo acelerado de transformação.
A própria revista viveu seu processo de autorreflexão, ao veicular vários artigos que buscavam discutir os conceitos e motivações para esse gênero de criação artística. A discussão extrapolou o espaço exíguo da publicação e chegou à academia, em trabalhos apresentados em congressos e publicados em livros.
Um dos que mais se interessam pelo estudo dos quadrinhos poético-filosóficos é o professor Doutor Elydio dos Santos Neto, que realizou seu pós-doutorado no Instituto de Artes da UNESP com a pesquisa “As Histórias em Quadrinhos poético-filosóficas no Brasil: contextualização histórica e estudo das interfaces educação, arte e comunicação”. Com base no trabalho dos autores referenciais do gênero – Calazans, Franco e Andraus –, e tomando a Tyli-Tyli/Mandala como uma de suas fontes, a pesquisa de Elydio demonstrou a importância e a densidade dessa produção, resgatando-a da “marginalidade” da autoedição à relevância de objeto de estudo acadêmico de alto nível.
Em 2012, no quadro da editora Marca de Fantasia, Elydio propôs a edição de seu vasto material de pesquisa, basicamente as entrevistas que fundamentaram seu pós-doutorado, numa série de livros reflexivos sobre os quadrinhos poético-filosóficos. Nesse ano, saiu o primeiro título, Os quadrinhos poético-filosóficos de Edgar Franco: textos, HQs e entrevistas, de autoria de Elydio. Outros pesquisadores também se interessaram pela série e lançou-se no mesmo ano o livro Edgar Franco e suas criaturas no Banquete de Platão, por Nadja Carvalho.
Agora é a obra de Gazy Andraus que ganha relevo na visão de Elydio dos Santos Neto. Gazy é um dos autores mais seminais dessa geração, radicalizando no processo intuitivo de criação. Sobre ele, é melhor acompanhar o profundo e brilhante trabalho de Elydio, que provoca e revira os conceitos engessados da academia.
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