Há pouco mais de dois meses recebi um e-mail de uma educadora que trabalha com classe escolar – não consigo encontrar onde o arquivei, e isto me impede de citar o nome da pessoa, infelizmente. Esta pessoa me pediu idéias para uma gibiteca em ambiente hospitalar. Eu creio que enviei algum material. Mais recentemente, conversei com algumas pessoas sobre a possibilidade de se fazer uma gibiteca em nosso hospital e a idéia está sendo amadurecida. Para me armar de argumentos, eu fiz uma pequena pesquisa sobre o assunto. Desta pesquisa criei um pequeno projeto, que resumi em pequeno artigo, que segue abaixo.
Gibitecas em pediatrias: uma experiência que pode dar certo
A Resolução nº. 41 do Ministério da Justiça e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente de Outubro de 1995 prevê que toda criança e adolescente hospitalizado tem o direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento de currículo escolar durante a permanência hospitalar.
Tal resolução leva em conta a necessidade das crianças e adolescentes superarem os traumas causados por uma internação temporária e – em casos mais graves – permanente. O hospital é um lugar que causa medo, muitas vezes relacionado com a dor e a morte. A doença acaba excluindo a criança de seu ambiente, imobilizando-a social e intelectualmente.
(...), na hospitalização da criança, ela traz consigo uma fragilidade, um desconforto da dor e a insegurança. Neste momento ela vivencia situações traumáticas e diversas mudanças em sua vida cotidiana. O contexto familiar geralmente passa por um processo de fragilidade e ansiedade também, onde em alguns casos isso é passado para criança agravando seu processo de recuperação e aceitação do tratamento.[1]
O trabalho junto a crianças doentes e hospitalizadas mostra a necessidade de se humanizar o atendimento evitando expor a criança a um atendimento técnico, impessoal e agressivo. A doença é um ataque à criança e seu desenvolvimento emocional também fica comprometido. A oferta de atividades lúdicas no ambiente de internação é fundamental no combate às doenças e contribui para a aceitação positiva do tratamento.
“Segundo Huizinga (1980), o elemento lúdico é algo presente desde a gênese da civilização e desempenha papel importante na criação da cultura e no desenvolvimento humano em sua totalidade. O lúdico é um fenômeno social, anterior à cultura, fruto das relações da sociedade humana, que em sua essência promove divertimento, fascinação, distração, excitação, tensão, alegria, arrebatamento, ação e emoções que perpassam as necessidades imediatas da vida humana.” [2]
O elemento lúdico se faz presente na leitura, nas brincadeiras, em atividades que fazem com que crianças, adolescente e adultos possam se sentir melhores consigo mesmos e mais propensos a aceitar os problemas e obstáculos que a vida lhes impõe. Não é a toa que, quando nos sentimos cansados e desanimados vamos ao cinema, ouvimos uma música, saímos para dançar ou procuramos uma boa leitura. O lúdico pode nos oferecer ferramentas emocionais para sobrepor certos momentos de angustia e de solidão, assim como nos mantém abertos para as infinitas possibilidades de crescimento que a vida pode nos oferecer.
A leitura, em especial, é um elemento lúdico que pode ser facilmente acessível, seja através de bibliotecas ou mesmo gibitecas, que colocam a disposição de pessoas – mesmo de quem não possui recursos financeiros – uma gama de títulos e gêneros capazes de saciar os gostos literários mais exóticos. A leitura é fundamental a todos e em especial à criança. “Através da leitura a criança constrói uma realidade temporária que vira e muda à vontade. Pode facilmente transformar personagens e cenários desempenhando o papel de um fracote” que defende heroicamente o forte, num momento, ou um feliz confeiteiro fazendo tortas para o Rei e a Rainha no instante seguinte.”[3]
No contexto de um clima lúdico a criança é capaz de assimilar e integrar melhor a informação recebida, ou seja, a criança consegue expressar através do brincar aquilo que não consegue expressar
A biblioterapia é a prescrição de materiais de leitura com função terapêutica. A prática biblioterapêutica pode ser utilizada como um importante instrumento no restabelecimento psíquico de indivíduos com transtornos emocionais. Ela admite a possibilidade de terapia por meio da leitura, contemplando não apenas a leitura de histórias, mas também os comentários adicionais a ela, e propõe práticas de leitura que proporcionem a interpretação do texto.
A leitura terapêutica cumpre duas importantes funções: ser meio de detectar as dificuldades da criança (medos, problemas de comunicação, adaptação, etc) e um meio de preparação para os procedimentos e intervenções sensíveis (injeção, coleta de sangue, etc) e para intervenções mais complexas (transplantes de medula, intervenção cirúrgicas, etc). A pessoa encarregada de organizar as atividades lúdicas pode detectar as necessidades emocionais da criança e reduzir sua ansiedade, assim como contribuir no diagnóstico e no tratamento de possíveis problemas emocionais tanto da criança como de seus pais.
Lendo e contando historias para as crianças, os adultos estarão ampliando seu repertório, seu universo cultural e sua formação como leitor. “(...) é preciso dizer que a literatura pode colaborar para a própria formação médica. Muitas escolas de medicina pelo mundo, inclusive no Brasil, estão incluindo no currículo a disciplina Medicina e Literatura. Através de textos como A Morte de Ivan Illich, do escritor russo Léon Tolstoi (em que o personagem sofre de câncer), A Montanha Mágica, do alemão Thomas Mann (que fala sobre a tuberculose) e O Alienista, do brasileiro Machado de Assis (uma sátira às instituições mentais do século 19), os alunos tomam conhecimento da dimensão humana da doença. E assim, mesmo que muitas vezes indiretamente, a literatura passa a ajudar pacientes de todas as idades.”[4]
No Brasil já há várias iniciativas no sentido de estender a biblioterapia para os hospitais – públicos ou privados. Um dos mais conhecidos é o projeto Biblioteca Viva em Hospitais, que tem apoio do Ministério da Saúde. Trata-se de uma ação cultural que forma mediadores de leitura e leva livros de literatura infantil e juvenil para instituições de atendimento à crianças e jovens. É uma parceria da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Banco Citibank. Em uma ação com o Ministério da Saúde. O programa Biblioteca Viva foi lançado em 2000 pelo Ministério da Saúde e está em atividade em mais de 26 hospitais espalhados por dez estados brasileiros.
Outro exemplo é o Hospital Infantil Albert Sabin Estado que vem buscando estratégias capazes de minimizar a problemática resultantes do tratamento de câncer, bem como tornar a hospitalização mais humana e menos agressiva. Para tanto, foi criado o Projeto Biblioterapia, iniciado em 1997, e fruto da parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC), vem sendo desenvolvido da Unidade Onco Hematológica desse Hospital. Na prática, o projeto tem tido como resultado um crescente interesse da criança pela leitura e o “esquecimento” da dor.
A gibiteca é um espaço lúdico onde os leitores têm acesso a histórias em quadrinhos, dos mais variados gêneros. Ela possibilita um trabalho diversificado através de oficinas, teatro e contação de histórias, criando um ambiente relaxante e ao mesmo tempo excitante para as crianças e mesmo para os adultos envolvidos neste trabalho. A gibiteca se encaixa dentro dos objetivos da biblioterapia e ainda possui um atenuante: é um trabalho pioneiro no Brasil e que pode trazer subsídios e reconhecimento para nosso hospital.
Sugestão para a implantação e uma gibiteca escolar
Sugerimos a criação de uma sala de leitura com uma brinquedoteca. A sala de leitura possuiu a vantagem de ser um ambiente separado da enfermaria ou do quarto em que o paciente está instalado. O paciente, ao ter que se locomover para a sala de leitura será estimulado a abandonar, o leito do hospital e a se integrar com pacientes e funcionários mantendo assim um contato social ativo, mesmo dentro do hospital.
A sala de leitura deve ser alegre, com cores vivas, desenhos e cartazes nas paredes, destacando-se do restante do ambiente hospitalar. As visitas podem ser organizadas e orientadas por um funcionário ou um estagiário de enfermagem que irá desenvolver atividades com as crianças. Dentro destas atividades – de acordo com a faixa etária das crianças- sugerimos:
- oficinas de leitura e desenho
- teatro de fantoches
- contação de histórias
- trabalhos manuais (como produção de brinquedos com sucata).
Para os pacientes que não podem se locomover sugerimos adaptar um carrinho de metal devidamente esterilizado, contendo, gibis, livros infantis e infanto-juvenis, materiais didáticos diversos, como: jogo da memória, dominó, caça-palavras, cruzadinhas, forca, situações-problemas, quebra-cabeça, jogos de construção, enfim, atividades que contemplam as diferentes áreas do conhecimento e diferentes interesses.
Para trabalhar com as crianças na sala de leitura e na enfermaria, sugerimos o treinamento de funcionário(s), que será encarregado de instruir estagiários de enfermagem a desenvolver atividades com as crianças. A este(s) funcionário(s) devem ser oferecidos cursos de contação de historia, trabalhos manuais, além do aprendizado de outras atividades que possam ser oferecidas às crianças da pediatria.
BUENO, Silvana; CALDIN, Clarice. A aplicação da biblioterapia
HC Criança é o primeiro hospital público do Brasil dotado de Sala de Leitura para a 1ª Infância. Disponível em http://www.hccrianca.org.br/noticias.php?cod_noticia=10&de=0, capturado em 26;06/2008.
Hospital estadual para criança vai ser construído em Feira de Santana. disponível em
http://www.obrasileirinho.com.br/2008/06/hospital-estadual-para-criana-vai-ser.html, acesso em 24/06/2008.
PAULA, Ercília Maria Angeli Teixeira de, UJIIE, Nájela Tavares. O brincar nas políticas educacionais de atendimento a infância brasileira. V Encontro Nacional de Atendimento ao Escolar Hospitalizado. Curitiba (PR), 2007, p. 830-839
1 - CARVALHO. Adnan de, BATISTA, Cleide Vitor Mussini. Briquetoteca Hospitalar: a importância deste espaço para a redução do trauma da hospitalização da criança. V Encontro Nacional de Atendimento ao Escolar Hospitalizado. Curitiba (PR), 2007, p. 1439.
2 - PAULA, Ercília Maria Angeli Teixeira de, UJIIE, Nájela Tavares. O brincar nas políticas educacionais de atendimento a infância brasileira. V Encontro Nacional de Atendimento ao Escolar Hospitalizado. Curitiba (PR), 2007, p. 835.
3 - BATISTA, Cleide Vitor Mussini. O lugar de brincar no Hospital: o faz-de-conta. V Encontro Nacional de Atendimento ao Escolar Hospitalizado. Curitiba (PR), 2007, p. 1484 – 1493.
4 - Literatura faz bem para a saúde. Disponível em http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/saude/conteudo_268786.shtml, capturado em 27/06/2008
4 comentários:
Parabéns, seu blog está cada vez melhor!E esse tema, para mim é apaixonante! Aliás, sobre biblioterapia, há muito quero escrever sobre o tema. Estou juntando material. É muito legal.
Bjs
Roseli
Valeu, Roseli!! Escreva sim e, quando o fizer, avise!!
:-)
Um abraço!
Natania
Adorei o seu trabalho e o seu carinho em levar cultura para as crianças. Gostei muito de você ter citado o trabalho que minha orientanda Nájela desenvolve no mestrado na Universidade Estadual de Ponta Grossa na Paraná. Parabéns e muito sucesso pra vocês
Ercília Maria Angeli Teixeira de Paula
Olá, Ercília! Obrigada pela visita e pelos comentários. Eu estou dando os primeiros passos no tema, mas espero poder produzir mais alguma coisa, em breve, se o projeto de implantar uma sala de leitura com gibiteca for para frente, no nosso hospital.
Um abraço e volte sempre!
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