quinta-feira, 31 de julho de 2008

Gibitecas em ambiente hospitalar: quadrinhos e biblioterapia


Há pouco mais de dois meses recebi um e-mail de uma educadora que trabalha com classe escolar – não consigo encontrar onde o arquivei, e isto me impede de citar o nome da pessoa, infelizmente. Esta pessoa me pediu idéias para uma gibiteca em ambiente hospitalar. Eu creio que enviei algum material. Mais recentemente, conversei com algumas pessoas sobre a possibilidade de se fazer uma gibiteca em nosso hospital e a idéia está sendo amadurecida. Para me armar de argumentos, eu fiz uma pequena pesquisa sobre o assunto. Desta pesquisa criei um pequeno projeto, que resumi em pequeno artigo, que segue abaixo.

Gibitecas em pediatrias: uma experiência que pode dar certo

A Resolução nº. 41 do Ministério da Justiça e do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente de Outubro de 1995 prevê que toda criança e adolescente hospitalizado tem o direito de desfrutar de alguma forma de recreação, programas de educação para a saúde, acompanhamento de currículo escolar durante a permanência hospitalar.

Tal resolução leva em conta a necessidade das crianças e adolescentes superarem os traumas causados por uma internação temporária e – em casos mais graves – permanente. O hospital é um lugar que causa medo, muitas vezes relacionado com a dor e a morte. A doença acaba excluindo a criança de seu ambiente, imobilizando-a social e intelectualmente.

(...), na hospitalização da criança, ela traz consigo uma fragilidade, um desconforto da dor e a insegurança. Neste momento ela vivencia situações traumáticas e diversas mudanças em sua vida cotidiana. O contexto familiar geralmente passa por um processo de fragilidade e ansiedade também, onde em alguns casos isso é passado para criança agravando seu processo de recuperação e aceitação do tratamento.[1]

O trabalho junto a crianças doentes e hospitalizadas mostra a necessidade de se humanizar o atendimento evitando expor a criança a um atendimento técnico, impessoal e agressivo. A doença é um ataque à criança e seu desenvolvimento emocional também fica comprometido. A oferta de atividades lúdicas no ambiente de internação é fundamental no combate às doenças e contribui para a aceitação positiva do tratamento.

“Segundo Huizinga (1980), o elemento lúdico é algo presente desde a gênese da civilização e desempenha papel importante na criação da cultura e no desenvolvimento humano em sua totalidade. O lúdico é um fenômeno social, anterior à cultura, fruto das relações da sociedade humana, que em sua essência promove divertimento, fascinação, distração, excitação, tensão, alegria, arrebatamento, ação e emoções que perpassam as necessidades imediatas da vida humana.” [2]

O elemento lúdico se faz presente na leitura, nas brincadeiras, em atividades que fazem com que crianças, adolescente e adultos possam se sentir melhores consigo mesmos e mais propensos a aceitar os problemas e obstáculos que a vida lhes impõe. Não é a toa que, quando nos sentimos cansados e desanimados vamos ao cinema, ouvimos uma música, saímos para dançar ou procuramos uma boa leitura. O lúdico pode nos oferecer ferramentas emocionais para sobrepor certos momentos de angustia e de solidão, assim como nos mantém abertos para as infinitas possibilidades de crescimento que a vida pode nos oferecer.

A leitura, em especial, é um elemento lúdico que pode ser facilmente acessível, seja através de bibliotecas ou mesmo gibitecas, que colocam a disposição de pessoas – mesmo de quem não possui recursos financeiros – uma gama de títulos e gêneros capazes de saciar os gostos literários mais exóticos. A leitura é fundamental a todos e em especial à criança. “Através da leitura a criança constrói uma realidade temporária que vira e muda à vontade. Pode facilmente transformar personagens e cenários desempenhando o papel de um fracote” que defende heroicamente o forte, num momento, ou um feliz confeiteiro fazendo tortas para o Rei e a Rainha no instante seguinte.”[3]

No contexto de um clima lúdico a criança é capaz de assimilar e integrar melhor a informação recebida, ou seja, a criança consegue expressar através do brincar aquilo que não consegue expressar em palavras. A fim de oferecer este ambiente lúdico, muitos hospitais tem oferecido às crianças ambientes de descontração como briquedotecas e salas de leitura. Nas salas de leitura as crianças passam por um tratamento alternativo, a biblioterapia.

A biblioterapia é a prescrição de materiais de leitura com função terapêutica. A prática biblioterapêutica pode ser utilizada como um importante instrumento no restabelecimento psíquico de indivíduos com transtornos emocionais. Ela admite a possibilidade de terapia por meio da leitura, contemplando não apenas a leitura de histórias, mas também os comentários adicionais a ela, e propõe práticas de leitura que proporcionem a interpretação do texto.

A leitura terapêutica cumpre duas importantes funções: ser meio de detectar as dificuldades da criança (medos, problemas de comunicação, adaptação, etc) e um meio de preparação para os procedimentos e intervenções sensíveis (injeção, coleta de sangue, etc) e para intervenções mais complexas (transplantes de medula, intervenção cirúrgicas, etc). A pessoa encarregada de organizar as atividades lúdicas pode detectar as necessidades emocionais da criança e reduzir sua ansiedade, assim como contribuir no diagnóstico e no tratamento de possíveis problemas emocionais tanto da criança como de seus pais.

Lendo e contando historias para as crianças, os adultos estarão ampliando seu repertório, seu universo cultural e sua formação como leitor. “(...) é preciso dizer que a literatura pode colaborar para a própria formação médica. Muitas escolas de medicina pelo mundo, inclusive no Brasil, estão incluindo no currículo a disciplina Medicina e Literatura. Através de textos como A Morte de Ivan Illich, do escritor russo Léon Tolstoi (em que o personagem sofre de câncer), A Montanha Mágica, do alemão Thomas Mann (que fala sobre a tuberculose) e O Alienista, do brasileiro Machado de Assis (uma sátira às instituições mentais do século 19), os alunos tomam conhecimento da dimensão humana da doença. E assim, mesmo que muitas vezes indiretamente, a literatura passa a ajudar pacientes de todas as idades.”[4]

No Brasil já há várias iniciativas no sentido de estender a biblioterapia para os hospitais – públicos ou privados. Um dos mais conhecidos é o projeto Biblioteca Viva em Hospitais, que tem apoio do Ministério da Saúde. Trata-se de uma ação cultural que forma mediadores de leitura e leva livros de literatura infantil e juvenil para instituições de atendimento à crianças e jovens. É uma parceria da Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Banco Citibank. Em uma ação com o Ministério da Saúde. O programa Biblioteca Viva foi lançado em 2000 pelo Ministério da Saúde e está em atividade em mais de 26 hospitais espalhados por dez estados brasileiros.

Outro exemplo é o Hospital Infantil Albert Sabin Estado que vem buscando estratégias capazes de minimizar a problemática resultantes do tratamento de câncer, bem como tornar a hospitalização mais humana e menos agressiva. Para tanto, foi criado o Projeto Biblioterapia, iniciado em 1997, e fruto da parceria com a Universidade Federal do Ceará (UFC), vem sendo desenvolvido da Unidade Onco Hematológica desse Hospital. Na prática, o projeto tem tido como resultado um crescente interesse da criança pela leitura e o “esquecimento” da dor.

A gibiteca é um espaço lúdico onde os leitores têm acesso a histórias em quadrinhos, dos mais variados gêneros. Ela possibilita um trabalho diversificado através de oficinas, teatro e contação de histórias, criando um ambiente relaxante e ao mesmo tempo excitante para as crianças e mesmo para os adultos envolvidos neste trabalho. A gibiteca se encaixa dentro dos objetivos da biblioterapia e ainda possui um atenuante: é um trabalho pioneiro no Brasil e que pode trazer subsídios e reconhecimento para nosso hospital.

Sugestão para a implantação e uma gibiteca escolar

Sugerimos a criação de uma sala de leitura com uma brinquedoteca. A sala de leitura possuiu a vantagem de ser um ambiente separado da enfermaria ou do quarto em que o paciente está instalado. O paciente, ao ter que se locomover para a sala de leitura será estimulado a abandonar, o leito do hospital e a se integrar com pacientes e funcionários mantendo assim um contato social ativo, mesmo dentro do hospital.

A sala de leitura deve ser alegre, com cores vivas, desenhos e cartazes nas paredes, destacando-se do restante do ambiente hospitalar. As visitas podem ser organizadas e orientadas por um funcionário ou um estagiário de enfermagem que irá desenvolver atividades com as crianças. Dentro destas atividades – de acordo com a faixa etária das crianças- sugerimos:
- oficinas de leitura e desenho
- teatro de fantoches
- contação de histórias
- trabalhos manuais (como produção de brinquedos com sucata).

Para os pacientes que não podem se locomover sugerimos adaptar um carrinho de metal devidamente esterilizado, contendo, gibis, livros infantis e infanto-juvenis, materiais didáticos diversos, como: jogo da memória, dominó, caça-palavras, cruzadinhas, forca, situações-problemas, quebra-cabeça, jogos de construção, enfim, atividades que contemplam as diferentes áreas do conhecimento e diferentes interesses.

Para trabalhar com as crianças na sala de leitura e na enfermaria, sugerimos o treinamento de funcionário(s), que será encarregado de instruir estagiários de enfermagem a desenvolver atividades com as crianças. A este(s) funcionário(s) devem ser oferecidos cursos de contação de historia, trabalhos manuais, além do aprendizado de outras atividades que possam ser oferecidas às crianças da pediatria.

FONTES DE PESQUISA

BATISTA, Cleide Vitor Mussini. O lugar de brincar no Hospital: o faz-de-conta. V Encontro Nacional de Atendimento ao Escolar Hospitalizado. Curitiba (PR), 2007, p. 1483 – 1493.

-------------------------------------- O brincar no hospital: tecendo considerações. V Encontro Nacional de Atendimento ao Escolar Hospitalizado. Curitiba (PR), 2007, p 1469- 1482

BUENO, Silvana; CALDIN, Clarice. A aplicação da biblioterapia em crianças. Bibliotherapy and sick children p. 157-170 . Revista ACB, Brasília, DF, 7.2, 25 08 2005. Disponível em: <http://www.acbsc.org.br/revista/ojs/viewarticle.php?id=70>. Acesso em: 27 06 2008.

CARVALHO. Adnan de, BATISTA, Cleide Vitor Mussini. Briquetoteca Hospitalar: a importância deste espaço para a redução do trauma da hospitalização da criança. V Encontro Nacional de Atendimento ao Escolar Hospitalizado. Curitiba (PR), 2007, p. 1438 – 1445.

DUARTE, Elza. Humanização Voluntária. Disponpivel em: http://www.fontezero.hpg.ig.com.br/humanizacaoelza.htm, capturado em 26/06/2008

HC Criança é o primeiro hospital público do Brasil dotado de Sala de Leitura para a 1ª Infância. Disponível em http://www.hccrianca.org.br/noticias.php?cod_noticia=10&de=0, capturado em 26;06/2008.

Hospital estadual para criança vai ser construído em Feira de Santana. disponível em

http://www.obrasileirinho.com.br/2008/06/hospital-estadual-para-criana-vai-ser.html, acesso em 24/06/2008.

Literatura faz bem para a saúde. Disponível em http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/saude/conteudo_268786.shtml, capturado em 27/06/2008

PAULA, Ercília Maria Angeli Teixeira de, UJIIE, Nájela Tavares. O brincar nas políticas educacionais de atendimento a infância brasileira. V Encontro Nacional de Atendimento ao Escolar Hospitalizado. Curitiba (PR), 2007, p. 830-839

PONTES, Beatriz. Literatura faz bem para a saúde. Disponível em http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/saude/conteudo_268786.shtml, capturado em 25/06/2008

SALMON, Maria Imaculada Monllor, BELEM, Vergília Antonia. Relação entre a aprendizagem, a afetividade e o lúdico no programa de escolarização hospitalar. V Encontro Nacional de Atendimento ao Escolar Hospitalizado. Curitiba (PR), 2007, p.3007-3015.

SOUZA, Márcia Raquel de. A ação pedagógica no ambulatório pediátrico. . V Encontro Nacional de Atendimento ao Escolar Hospitalizado. Curitiba (PR), 2007, p. 4523-4529.


1 - CARVALHO. Adnan de, BATISTA, Cleide Vitor Mussini. Briquetoteca Hospitalar: a importância deste espaço para a redução do trauma da hospitalização da criança. V Encontro Nacional de Atendimento ao Escolar Hospitalizado. Curitiba (PR), 2007, p. 1439.

2 - PAULA, Ercília Maria Angeli Teixeira de, UJIIE, Nájela Tavares. O brincar nas políticas educacionais de atendimento a infância brasileira. V Encontro Nacional de Atendimento ao Escolar Hospitalizado. Curitiba (PR), 2007, p. 835.

3 - BATISTA, Cleide Vitor Mussini. O lugar de brincar no Hospital: o faz-de-conta. V Encontro Nacional de Atendimento ao Escolar Hospitalizado. Curitiba (PR), 2007, p. 1484 – 1493.

4 - Literatura faz bem para a saúde. Disponível em http://planetasustentavel.abril.com.br/noticia/saude/conteudo_268786.shtml, capturado em 27/06/2008

4 comentários:

Roseli Venancio Pedroso disse...

Parabéns, seu blog está cada vez melhor!E esse tema, para mim é apaixonante! Aliás, sobre biblioterapia, há muito quero escrever sobre o tema. Estou juntando material. É muito legal.
Bjs
Roseli

Natania A S Nogueira disse...

Valeu, Roseli!! Escreva sim e, quando o fizer, avise!!
:-)
Um abraço!

Anônimo disse...

Natania
Adorei o seu trabalho e o seu carinho em levar cultura para as crianças. Gostei muito de você ter citado o trabalho que minha orientanda Nájela desenvolve no mestrado na Universidade Estadual de Ponta Grossa na Paraná. Parabéns e muito sucesso pra vocês
Ercília Maria Angeli Teixeira de Paula

Natania A S Nogueira disse...

Olá, Ercília! Obrigada pela visita e pelos comentários. Eu estou dando os primeiros passos no tema, mas espero poder produzir mais alguma coisa, em breve, se o projeto de implantar uma sala de leitura com gibiteca for para frente, no nosso hospital.
Um abraço e volte sempre!