Poucas pessoas têm a honra de se tornar uma lenda em seu próprio tempo. Menos ainda podem ser consideradas os nomes mais importantes de sua área. Jean Giraud, o Moebius, falecido hoje cedo na França,
era as duas coisas.
Nascido em 1938, o francês Giraud foi discípulo do grande Joseph "Jijé" Gillain, um dos maiores autores de quadrinhos belgas e também mentor de autores como Franquin, Morris e Mézières. Jijé era um mestre exigente, mas tinha seu aluno na mais alta conta, chegando mesmo a lhe confiar toda a arte final de uma de suas aventuras de Jerry Spring, La route de Coronado (1960).
Não foi o primeiro faroeste de Giraud (que criara a obscura série Frank et Jérémie aos 18 anos para a revista Far-West), nem seria o último. Em 1963 ele começa a desenhar a famosa série Tenente Blueberry na revista Pilote, com argumento de Jean-Michel Charlier. Ela seria o seu maior êxito comercial e geraria diversas derivações.
O sucesso, porém, não tolheu a criatividade de Giraud, que começou a publicar material mais alternativo (geralmente de ficção científica) assinando como Moebius. A revista Pilote não era muito receptiva a
esse material (embora, ao contrário do que se diz, ele TENHA publicado lá algumas HQs como Moebius, como "O homem é bom?") e ele começa a trabalhar mais para novas publicações, como a L'Echo des
Savanes.
Em meados dos anos 70 ele deixa a Pilote de vez e em 1975 torna-se um dos fundadores de uma nova e revolucionária publicação, a Métal Hurlant, que revolucionaria o quadrinho mundial. Logo na primeira
edição ele introduziria Arzach, uma de suas obras mais experimentais. Ele seguiria isso com outros trabalhos como Major Fatal, A Garagem Hermética e The Long Tomorrow, que lhe dariam fama mundial. Logo ele se tornaria um dos autores de quadrinhos mais conhecidos e influentes do mundo.
Em 1975 também ocorreu outro momento fundamental para a carreira do autor: Ele foi chamado para fazer a arte conceitual da adaptação cinematográfica de Duna por Alejandro Jodorowsky. O projeto, como todos sabem, acabou não sendo realizado, mas abriu as portas de Hollywood para o artista, que trabalharia depois em filmes como Alien e Tron. Também iniciaria sua frutífera parceria com o genial Jodorowsky, com quem fez obras memoráveis como O Incal e Os Olhos do Gato.
Nos anos 80, Moebius, por conta do seu trabalho em Hollywood e sua eterna fascinação com o Oeste americano e o México, morou nos EUA por uns tempos. Durante esse período ele fez algumas contribuições
para os comics americanos, como a HQ do Parábola do Surfista Prateado, em parceria com o lendário Stan Lee. Também datam desse período alguns spin-offs de A Garagem Hermética desenhados por
artistas americanos como O Príncipe de Aliors, fruto da sua parceria com Jean-Marc L'Officier.
Nos anos 90 a sua produção artística se reduziu um pouco, mas ele manteve uma grande atividade como roteirista, em series como Altor (com Marc Bati), Jim Cutlass (com Christian Rossi), Marshall
Blueberry (com William Vance) e Little Nemo (com Bruno Marchand, inspirado na obra de Winsor McCay). Mais inusitada foi sua parceria com o japonês Jiro Taniguchi no mangá Ícaro, que fez de Moebius um
dos raros autores a ter trabalhado nas três principais indústrias de quadrinhos do mundo!
Na parte artística, ele continuou desenhando suas séries O Mundo de Edena, La Coeur Couronné (como Jodorowsky) e fez o seu último ciclo de Blueberry, Mister Blueberry, no qual fez tanto o argumento quanto a arte.
Nos últimos tempos, Moebius se dedicava à série Inside Moebius, uma obra mais pessoal (e autopublicada) em que ele revelava seus sentimentos interiores e aspirações. Em um âmbito mais comercial, ele desenhou um álbum de XIII, no qual é revelada a verdadeira identidade do espião amnésico, e voltou a seus antigos personagens Major Grubert (no álbum Le Chasseur Déprime) e Arzak, que protagonizou seu último álbum, em estilo mais convencional que as aventuras anteriores do personagem, pensado como a primeira parte de
uma trilogia que, infelizmente, jamais veremos concluída.
Um dos raros autores de quadrinhos mais famoso do que seus personagens, Moebius exerceu uma influência palpável sobre o quadrinho mundial. Admirado tanto pelo público quanto por seus pares, Moebius é uma referência nas HQs, um dos maiores, quiçá o maior artista de quadrinhos de todos os tempos. E sua obra
certamente continuará a ser admirada e estudada enquanto as HQs existirem!
Hunter (Pedro Bouça)