domingo, 4 de março de 2007

Aprendendo através das hqs


Historicamente, os quadrinhos sofreram inúmeras perseguições, resultado de preconceitos endossados por educadores que, partindo de uma visão reducionista e simplista, condenaram sua leitura por crianças e adolescentes rotularam as hqs como responsáveis pela violência e pela perversão moral da juventude. Hoje, sua leitura e produção auxilia estudantes a compreenderem temas complexos da História, que normalmente estão afastados da sua experiência diária de vida. Seu uso como recurso didático, no entanto, ainda é tema pouco discutido no meio acadêmico. Nosso desafio é apresentar possibilidades de utilização deste recurso como forma de reforçar o processo de ensino-aprendizagem, através do incentivo do uso dos quadrinhos na sala de aula.

As hq’s podem ser utilizadas para estimular a leitura e o interesse dos estudantes pelas abstrações, mantendo o vínculo com o objeto formal e abrindo caminho para o desenvolvimento do raciocínio lógico e para a criação de instrumentos de compreensão da realidade social em que vivem.

Um dos grandes desafios dos educadores atualmente é estimular o hábito da leitura e da escrita. O estudante deve aprender a ler e aprender a trabalhar as informações que adquire através da leitura. Acreditamos que um excelente instrumento para alcançar este objetivo, seja o uso das histórias em quadrinhos na sala de aula. Partindo deste princípio, estamos desenvolvendo um projeto que envolve o uso das hq’s, tanto sua leitura quanto sua elaboração pelos estudantes de Ensino Fundamental e, posteriormente, de Ensino Médio.

As Histórias em Quadrinhos possuem uma linguagem simples e de fácil compreensão para os alunos, que em geral não oferecem resistência a seu uso, uma vez que são relacionadas a uma forma de entretenimento e lazer. Desvendar essas “intenções”, aprendendo a ler nas entrelinhas, é fundamental para uma boa compreensão e absorção das informações. É necessário desenvolver as habilidades de “ler, escrever e pensar”. Esta tem sido uma necessidade urgente nos tempos difíceis em que vive a educação brasileira, no que se refere à formação tanto de professores quanto de alunos.

Existe uma grande quantidade de Histórias em Quadrinhos que podem ser utilizadas nas salas de aula. No Brasil, infelizmente, esse rico material ainda está distante das escolas publicas. São publicações muito bem elaboradas, mas com um custo elevado, como acontece com a maior parte do material paradidático. Daí a dificuldade do professor da rede de escolas públicas de utilizá-los na sala de aula, recorrendo, em alguns casos, à reprodução de pequenos fragmentos.

Os trabalhos publicados, através de artigos ou obras completas, sobre o uso das hq’s nas escolas ainda estão em número reduzido, embora este recurso esteja sendo cada vez mais utilizado nas salas de aula. Temos conhecimento de iniciativas bem sucedidas de muitos professores que apostaram no uso deste recurso como reforço ao processo de ensino aprendizagem. Falta, entretanto, a divulgação de idéias e resultados.

No estudo da história, os quadrinhos podem ser não apenas utilizados como referências, mas também como instrumento para a construção do conhecimento. Sua leitura envolve e desenvolve uma série de competências e habilidades, importantes para o desenvolvimento intelectual dos estudantes. Em “Como usar as Histórias em Quadrinhos na sala de aula” (VERGUEIRO, 2004), são sugeridos aos professores de história alguns procedimentos para sua leitura: a) reunir informações sobre o(s) autor(es); b) analisar o contexto histórico em que foi produzida; c) identificar valores e ideologias expressas pelo(s) autor(es) na obra; d) identificar o público- alvo ao qual se destina a hq; e) sua finalidade _ se informativa, educacional, educativa, didática, política.

Alguns cuidados devem ser tomados com o uso das Histórias em Quadrinhos. O primeiro deles é ter em mente que uma história em quadrinhos é uma obra de ficção que retrata as idéias do autor e o contexto do período no qual foi produzida. Portanto, ela pode conter, por vezes, lacunas uma vez que não possuem compromisso explícito em retratar a realidade.

O fato de uma hq ser ambientada em um tempo passado não sugere que seu conteúdo seja integralmente fiel ao contexto histórico. Um exemplo pode ser a obra de Frank Miller, os 300 de Esparta. É uma hq belíssima, inspirada em um fato histórico real, mas que é dotada também de elementos fictícios e romanceados. Ela pode ser utilizado como referência em uma aula de história? Certamente. Mas cabe ao professor orientar a leitura e possibilitar aos alunos recolher do texto informações que podem ser fonte de aprendizado, aprendendo a separar ficção de fato histórico. É um exercício que ajuda a desenvolver o raciocínio e a capacidade de análise do estudante.

Douglas Pescadinha Jr. (1991) abordou a questão do uso de histórias em quadrinhos no ensino de história na sua monografia de bacharelado, onde analisou o uso de Asterix como fonte histórica e como material didático. Ele questiona o fato de ser ou não historicamente correto usá-lo em sala de aula. Segundo Pescadinhas, a resposta é não. Asterix representaria muito mais os anseios de uma Europa – França – contemporânea do que a realidade histórica da antiguidade romana. Ele aponta muitas razões para isso. Dentre elas podemos citar o anacronismo histórico, a despreocupação com a localização de detalhes geográficos apresentados no texto; referências a fatos históricos contemporâneos, mesmo que implicitamente, etc.

No entanto, esses fatos em si não desmerecem o valor da obra, que representa uma excelente referência para se estudar questões referentes à sociedade européia contemporânea, com destaque para o imperialismo norte-americano (representado por Roma) e suas conseqüências sobre a Europa e a França (representadas pela aldeia gaulesa que resiste à dominação). Por outro lado, Asterix é uma obra rica para ser explorada pelos professores de língua portuguesa, que podem destacar as palavras em latim, base do nosso idioma.

Nossa própria experiência com hq´s em sala de aula demonstrou que este recurso pode auxiliar os estudantes a organizarem melhor suas idéias, a desenvolverem o raciocínio e fazer comparações entre passado e presente, compreendendo de forma mais clara conceitos como o de anacronismo, por exemplo. Trabalhamos com a confecção de quadrinhos com alunos de escolas públicas de baixa renda e de classe média. Os resultados têm sido satisfatórios. Os trabalho produzidos _ sempre em duplas _ ajudam os estudantes a colocarem em prática os conhecimentos apreendidos em sala de aula. O próximo passo é a criação de uma gibiteca, pelos próprios alunos, e a divulgação dos trabalhos na escola, numa pequena exposição para pais e professores, no término do ano letivo.

As formas do emprego dos quadrinhos como instrumento didático dependem do tipo de estratégia que será utilizada pelo educador. Em história pode-se optar pelo uso dos quadrinhos como fonte de pesquisa e mesmo como meio de se incentivar a pesquisa e o raciocínio dos estudantes; pode-se incentivar a criatividade e a imaginação dos alunos desafiando-os a criarem suas próprias hq’s, adaptadas a contextos históricos diversos; podemos, também, utilizá-las como forma de introduzir questões em avaliações ou mesmo para ilustrar temas diversos, que vão das cruzadas ao imperialismo.

Como qualquer outro material didático as Histórias em Quadrinhos devem ser utilizadas com responsabilidade. Mesmo as histórias em quadrinhos para uso didático podem apresentar equívocos que devem ser identificados e administrados pelo professor. Seu uso em sala de aula deve ser devidamente planejado e adaptado à realidade social e econômica dos estudantes. Toda leitura deve ser acompanhada de questionamento. O papel do professor é fundamental para isso. O livro não é, em si só, elemento fundamental para a aprendizagem. O professor é quem faz a diferença neste processo.
(Texto integral publicado nos Anais do Simpósio Nacional de História – UEL/2005)

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