Como o assunto dos últimos dias tem sido hqs e esportes, pedi a Valéria Fernandes que me ajudasse com um texto sobre esportes e mangá. Ela me enviou um texto adaptado de uma coluna publicada originalmente no site Anime-Pró (
http://www.animepro.com.br/). Espero que gostem!
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No Japão, os mangás de esporte, assim como o esporte em si, ajudaram a resgatar o orgulho nacional terrivelmente abalado depois da derrota na Segunda Guerra Mundial. Enfatizando valores já conhecidos na tradição samurai como disciplina, honra, sacrifício, os mangás – e também os animes que vieram depois – são cheios de heróis e heroínas dispostos a todo e qualquer esforço e sofrimento pelo bem da equipe ou para atingirem um ideal.
Talvez a melhor encarnação desse tipo de perspectiva tenha sido Ashita no Joe (Joe do Amanhã), mangá publicado na Shonen Magazine de 1968 a 1973. Nesse mangá – e depois séria animada – Joe Yabuki, jovem órfão que se torna lutador de boxe, e é alçado do anonimato à fama, passando por derrotas e vitórias, lutas eletrizantes, até que por fim supera o seu grande adversário, e a si mesmo, morrendo no ringue com um sorriso nos lábios.
Começando com as artes marciais típicas do Japão, como o judô e o caratê, e outras nem tanto, como o boxe ou o boxe tailandês, as séries de esporte passaram a abarcar toda a sorte de modalidade esportiva: o baseball, o tênis, o basquete, o vôlei, o golfe, e até o jogo de GO, uma espécie de xadrez japonês. Cheios de drama, humor, personagens complexas e cativantes, e tramas desenvolvidas para além da partida, da corrida da luta, o esporte atravessa tanto o shounen (para garotos) quanto o shoujo (para garotas) e produz verdadeiras sagas inesquecíveis e transforma alguns quadrinistas como Mitsuru Adachi em grandes ídolos.
Mitsuru Adachi começou sua carreira ainda nos anos 70 e fez sua fama construindo mangás de esporte. Dono de um time de baseball e entusiasta da modalidade – que pode ser considerada o esporte nacional japonês – ele criou uma das séries mais bem sucedidas até hoje. Touch que foi publicada na revista Shonen Sunday entre 1981 e 1987, gerou série animada de 101 episódios e 5 filmes – sendo o último de 2000.
Touch se centra no trio de protagonistas, dois rapazes gêmeos e uma moça, que foram sempre vizinhos, na amizade entre eles e no triângulo amoroso que se forma depois, a série mostra mais do que partidas de baseball e surpreende os leitores com uma tragédia inesperada que transforma a vida das personagens. Para se ter uma idéia da importância de Touch, basta dizer que a série de tv reprisada todos os anos no Japão e Minami, a protagonista, está sempre no topo das listas das personagens mais amadas pelos japoneses. Mas Touch é a obra máxima de Adachi mas ele tem criado mangá que falam de vários esportes, como a natação, o box e a ginástica ritmica.
O interesse por outros esportes não fez com que as artes marciais ficassem de lado e um grande exemplo é Yawara! De Naoki Urasawa, saiu na conceituada revista adulta (masculina) Big Comics Spirits. Esse mangá – depois anime e live action – retrata o drama de uma moça que só queria poder ser “normal”. Na história isso significa poder namorar, ir ao shopping, e arranjar, até se casar, um emprego em um escritório, mas a pobre Yawara tem um avô, Jigoro, que deseja transformá-la na maior judoca que jamais se viu. O velho Jigoro faz da vida da neta em um verdadeiro inferno tudo para que sua única herdeira siga os seus passos de campeão. Tanto o mangá (1987-1993), quanto o anime (de 1989-1992) fazem a contagem regressiva até a Olimpíada de Barcelona (1992) onde pela primeira vez as mulheres estariam na competição de judô oficialmente. Para se ter uma idéia, durante os seus 124 capítulos, Yawara! sempre esteve entre as dez maiores audiências da tv japonesa e a japonesinha, campeã olímpica em Barcelona, recebeu o carinhoso apelido de Yawara.
O shoujo de esportes se estabeleceu também a partir da fascinação das Olimpíadas, depois que as japonesas ganharam a medalha de ouro no vôlei em Tóquio. Impulsionado pela conquista e pela popularidade entre as meninas, surgiu Attack nº1 em 1968, seguido pelo anime em 1969. Outras séries centradas no voleibol se seguiram e, pelo menos os mangás, as japonesas são grandes campeãs. A última série a tratar do assunto chama-se Crimson Hero e mostra a luta de uma garota, contra tudo e contra todos, para reestruturar o time de voleibol da escola. É a partir dos campeonatos escolares que despontam as grandes estrelas do esporte, ou pelo menos é assim em países como Japão, Estados Unidos e outros.
Dentre os mangás esportivos para meninas, talvez Ace Wo Nerae (1972-1975) seja o mais famoso. A série mostra o crescimento e amadurecimento de uma jovem, Hiromi Oka, que apesar de estar no clube de tênis da escola só para apreciar dois de seus ídolos, acaba sendo reconhecida pelo treinador como um talento nato para o tênis. Entre uma partida e um treinamento, Hiromi se torna mulher, seus relacionamentos se adensam, sofre perdas inestimáveis, supera em talento e competência o seu ídolo, Reika Ryuzaki, e se torna, claro, uma grande tenista.
Outro mangá shoujo de esportes bem marcante foi Hikari no Densetsu (A Lenda de Hikari) de 1986. Girando em torno da ginástica rítmica, acompanha o sonho de uma japonesinha em superar as grandes ginastas do Leste Europeu. Foi um sucesso, divulgou o esporte
no Japão, e gerou uma série animada.
Uma série de esportes que me prendeu – foi mais de um ano garimpando o anime na Internet – e emocionou muito foi Princess Nine. Essa série foi baseada em um conto e mostra a luta de um grupo de meninas e da diretora de uma conceituada escola para terem seu time de baseball feminino aceito na liga colegial. Detalhe é que assim como no futebol, lá no Japão baseball é visto como esporte masculino e o prestigiado campeonato é só para rapazes. Meninas por lá devem jogar o softball. A discriminação, que impede as meninas de jogarem no fabuloso Estádio Koshien – o similar do nosso Maracanã – e é claro fecha as portas de uma carreira muito rentável. Princess Nine é uma história dramática, com momentos de humor, personagens tridimensionais e um final surpreendente que entristece e enche de esperança ao mesmo tempo, afinal, o mundo não muda em um passe de mágica, mas ele muda.
Como são bem pouco licenciados na América – Italianos, Franceses e Espanhóis têm mais sorte – a Internet é que tem ajudado a divulgar os animes e mangás de esporte. Aqui no Brasil, o único manga de esportes publicado é Slam Dunk, do mesmo autor de Vagabond, e tem como tema o basquete e os campeonatos juvenis. Essa série é campeã de popularidade entre os japoneses de ambos os sexos. Seu protagonista é um garoto desajustado, quase um delinqüente, que acaba se encontrando no esporte. O anime bem que poderia ser trazido para o Brasil.
Sem a Internet, eu não teria me interessado por esse tipo de anime e mangá já que ele é muito pouco conhecido, e até discriminado, no Brasil. Contam os mais velhos que eu – eu nasci em 1976 e o primeiro anime que me recordo é Speed Racer – que dois dos primeiros animes a passarem no nosso país e conquistarem muitos fãs foram exatamente duas séries de esporte: Sawamu (Kick no Oni), anime de 1970 que contava a história real de um famoso lutador japonês de boxe tailandês, Tadashi Sawamura.
Muitos diriam que os melhores representantes do gênero são séries de baseball ou basquete, eu concordaria em parte, até porque, amo Touch e Princess Nine, entretanto, I’ll sobre basquete poderia uma ser boa opção de publicação. Aliás, no Brasil, trazer um Love Junkies parece mais rentável do que experimentar publicar um mangá de esportes que poderia ser até sobre a vida de Airton Senna (Sim, foi lançado um mangá sobre ele no Japão).
Nossas tvs poderiam deixar os olhos abertos para excelentes animes de esporte como Tennis no Oujisama ou o maravilhoso Yawara!. Nas TVs, em especial por assinatura, temos alguma séries de esporte sendo exibidas: Hungry Heart e Capitão Tsubasa, sobre futebol; Dear Boys, sobre basquete; Tennis no Oujisama, sobre tênis, claro. Só que as séries são tão pouco comentadas que não sei dizer se são populares ou não ou se cumprem a função de estimular o gosto pelos esportes, como no caso do Japão.
Outra coisa que me intriga é o desinteresse entre os fanzineiros – pelo menos os que eu conheço – em falar de esporte em suas histórias. Nem quadrinho de futebol aparece. Eu gosto de futebol e não acho o futebol deva ser abandonado em favor de outros esportes. Ter um esporte nacional é algo normal, mas ser um país de um esporte só, a não ser em época de mundial, Pan ou Olimpíada, é uma lástima. Mangás e animes de esporte, geralmente têm ótimas histórias e cumprem a função social queria muito que editoras e tvs pudessem perceber isso, e que o governo e as escolas cumprissem também a sua parte para que nos tornássemos uma potencia esportiva.
Valéria Fernandes
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