No mês de setembro pretendo fazer algumas postagens sobre HQs relacionadas à História do Brasil. No caso, darei preferência àquelas que se passam durante o século XIX ou em períodos posteriores.
Para abrir este ciclo de postagens, escolhi Chalaça, o amigo do Imperador uma publicação da Conrad Editora, publicado originalmente em julho 2005. Baseada em fatos históricos, a obra aborda o período da permanência da família real portuguesa no Brasil, no início do século XIX. O álbum foi produzido por André Diniz (roteiro) e Antonio Eder (ilustração). Uma mistura de história e ficção com toque de humor, mas fruto de uma pesquisa série, típico das produções de André Diniz[1], de quem já falamos aqui no blog, em outras ocasiões.
Mas quem foi Chalaça?
Francisco Gomes da Silva, o Chalaça, (apelido que significa gracejo, zombaria), era filho bastardo do Visconde de Vila Nova da Rainha e de Maria da Conceição Alves, aldeã pobre de 19 anos, que trabalhava como criada de quarto do Visconde. Por ele seduzida, a moça registrou a criança como "filho de pais incógnitos". Apesar de não assumi-lo, o Visconde o manteve junto de si, com todo o conforto, até o momento em que decidiu casar-se com a filha do conde de Resende.
A amante não poderia mais permanecer junto ao Visconde e ele a enviou para a África e pagou oito mil cruzados a um protegido, Antonio Gomes, para assumir a paternidade do menino e o registrar como filho legítimo. O pai "testa-de-ferro" ainda ganhou, por influência do visconde, um emprego público como ourives da casa real.
Francisco foi mandado para o seminário de Santarém, preparar-se para ser padre. Estava quase a ordenar-se sacerdote quando chegaram as notícias dos preparativos da fuga da corte portuguesa para o Brasil. Tinha 16 anos. Brigou com o reitor e com o padre-mestre de disciplina do seminário e viajou para Lisboa, decidido a participar dos acontecimentos. No caminho, foi preso por uma guarnição francesa e condenado como espião. Às vésperas de ser fuzilado, conseguiu fugir, chegando ao cais de Lisboa na mesma manhã em que D. João e sua corte embarcavam para o Brasil.
De condenado à morte, passou a membro da multidão de 15 mil lusitanos que desembarcaria no Rio de Janeiro em março de 1808. Com o tempo, o rapaz conseguiu ganhar espaço dentro da Corte, então instalada no Rio de Janeiro, tornando-se, inclusive, um dos “espiões” de D. João, encarregado vigiar a esposa do príncipe regente e futuro rei de Portugal, D. Carlota Joaquina. Ele se tornou um dos grandes desafetos de Carlota que acabou por lhe armar uma armadilha, afastando-lhe da convivência de D. João, até que a intervenção de seu verdadeiro pai, o Visconde de Vila Nova, reabilitou-o junto ao monarca.
Arregimentava mulheres para Dom Pedro, sendo seu secretário e homem de confiança. Até onde se sabe, a mais importante de todas as mulheres na vida de D. Pedro é Domitila de Castro, que mais tarde receberia o título de Marquesa de Santos. É fato histórico que Domitila e o imperador tiveram um tórrido romance.
Entre seus feitos estariam o fato de ser um dos incentivadores da Independência e o primeiro a compartilhar a intenção de D. Pedro em proclamá-la; foi "ghost writer" do imperador escrevendo discursos, textos para jornais e até mesmo artigos inteiros da Constituição de 1824; organizou uma espécie de ministério paralelo que influenciava importantes decisões do Império. Foi inimigo declarado de José Bonifácio e um dos responsáveis pelo seu afastamento do poder.
Conselheiro habilidoso, filósofo de alcova e mulherengo inveterado fizeram de Chalaça a companhia favorita do imperador. Essas características aliadas ao talento para política, renderam-lhe a chefia de um "gabinete secreto", criado para defender os interesses de Dom Pedro. O grupo comandado por Chalaça passou a exercer grande influência na gestão dos negócios públicos, em boa parte das vezes por vias ilícitas e truculentas.
Por conta de seu perfil alcoviteiro e oportunista, era tido como responsável pela preservação no poder do Partido Português. Por conta disso, ganhou muitos inimigos e acabou sendo afastado do Brasil. Na Europa, continua a servir Dom Pedro até sua morte, em 1834. Morreu em 1852, em Lisboa, deixando uma fortuna a seus filhos legítimos e ilegítimos.
O Chalaça já foi retratado como personagem no cinema e na televisão, interpretado por Giorgio Lambertini no filme "O Grito do Ipiranga" (1917), Emiliano Queiroz no filme "Independência ou Morte" (1972), Edwin Luisi na novela "Marquesa de Santos" (1984), no filme "Carlota Joaquina - Princesa do Brazil" (1995) e Humberto Martins na minissérie "O Quinto dos Infernos" (2002). Há também o livro "O Chalaça" de José Roberto Torero da Editora Objetiva, editado em 1998.
Não foi a toa a escolha de se escrever uma HQ tendo como protagonista este personagem histórico, desconhecido para o grande público. Através das peripécias de Chalaça o leitor pode fazer uma viagem ao nosso passado e entender um pouco mais a história do Brasil nos momentos que precederam a nossa independência e durante o I Reinado, período pouco explorado nas aulas de história, talvez até por falta de material paradidático que atraia a atenção dos alunos.
[1] O carioca André Diniz já ganhou vários prêmios HQ-Mix e Ângelo Agostini. Além de roteirista também é desenhista e editor do site www.nonaarte.com.br, especializado em quadrinhos.
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