Claudio Martini
De Campinas (SP)
Além dos personagens - com suas características próprias, comportamento, maneira de agir - e do roteiro - com diálogos, pensamentos, ações - um elemento importante na construção de uma história em quadrinhos é o ambiente onde tudo acontece. Este ambiente pode ser apenas sugerido, pode ser realista, pode ser uma fantasia. E a arquitetura é uma parte fundamental na construção dos mundos da HQ.
Desde que Winsor McCay invadiu as páginas dos jornais com o mundo onírico de Little Nemo, a arquitetura e o mundo urbano estão presentes nos quadrinhos. A criação de 1905 mostrava uma cidade com palácios neoclássicos e edifícios gigantescos, inspirados na arquitetura do século XIX e na Nova York do início dos anos 1900. A qualidade do trabalho de McCay estabeleceu um padrão altíssimo para a representação gráfica dos quadrinhos, logo nos primórdios do desenvolvimento dessa forma de expressão artística.
Pois agora uma exposição procura fazer um apanhado desta produção de HQs onde a arquitetura desempenha um papel importante na construção de mundos, reais ou imaginários. Archi & BD - La Ville Dessinée, que estará aberta até o dia 28 de novembro, no museu da Cité de l'Architecture et du Patrimonie, Palais de Chaillot, 1 Place du Trocadéro, próximo à Torre Eiffel, em Paris.
É interessante comparar a presença da arquitetura urbana nas histórias em quadrinhos norte-americanas com as européias. Nos Estados Unidos vemos: a presença maciça nas HQs de super-heróis, de grandes cidades, baseadas em megalópoles como Nova York e Chicago, com seus arranha-céus e grandes avenidas; os bairros populares, decadentes e sombrios na obra de Will Eisner, os subúrbios e cidades horizontais californianas em HQs underground, como as de Mr. Natural, criação de Robert Crumb. Atuam principalmente como um pano de fundo para a ação e a aventura.
Já os quadrinhos europeus mostram uma gama maior de estilos arquitetônicos e também notamos que a arquitetura desempenha um papel mais importante na construção ou recriação de mundos. As HQs históricas francesas, mostram desde a Roma imperial, em Asterix e Alix, até cidades e castelos medievais, como na série Os Companheiros do Crepúsculo, de François Bourgeon. Temos ainda: o mundo Art Deco, presente na obra L'Art Moderne, do holandês Joost Swarte, e também nas aventuras de Ray Banana, de Ted Benoît; a cidade moderna dos anos 1950 pós-guerra, na aventuras de Spirou e Fantásio, do excepcional Franquin, a Veneza de Corto Maltese.
Já a construção de novos mundos tem seguidores talentosos e fiéis: Moebius criou um universo imaginário de uma beleza e crueldade sem igual, na série Incal, com o detetive John Difool, e nos volumes de Le Monde D'Edena.
O belga François Schuiten também é um grande inventor de mundos. Sua série As Cidades Obscuras, cria em cada álbum uma cidade que talvez existisse se a Terra tivesse tomado um outro rumo em algum lugar do passado. Em cidades como Urbicande, Samaris, Armilia, Brüsel, o autor dá forma a edifícios e urbanismos que são descendentes das visões de McCay. Seu irmão, Luc, que era co-autor, junto com François, dos primeiros álbuns de HQ da dupla, abandonou os quadrinhos e resolveu se dedicar à arquitetura real. A exposição ainda traz o humor do grupo Ferraille Productions e sua pequena cidadezinha do interior francês: Villemolle. Villemolle é a capital da puríssima salsicha de hamster e também e está propondo ao cidadão francês seu novo empreendimento imobiliário: choupanas à beira-mar tropical em pleno interior francês, já apostando no aquecimento global e na elevação do nível dos oceanos.
Cerca de 150 autores, reunindo 350 obras, estão nessa exposição que apresenta desenhos originais, painéis, filmes e maquetes. Uma exposição imperdível para quem vai a Paris, mas que tem também um catálogo à venda para quem não pode ir até a França.
Archi & BD mostra uma faceta que às vezes não é muito percebida, mas que contribui para criar o universo complexo, coerente e convincente das histórias em quadrinhos.
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