sábado, 14 de agosto de 2010

Espaços para a nona arte


Iniciativas coletivas sinalizam para um novo momento no segmento dos quadrinhos. Articulações de artistas e outros profissionais da área possibilitam novas olhares para o gênero

Muito dinheiro circula na indústria das histórias em quadrinhos. Em agosto do ano passado, a Walt Disney Co. tornou-se proprietária da Marvel Comics (casa de Homem-Aranha, Capitão América, X-Men, Hulk) num negócio de US$ 4 bilhões. Outro gigante do entretenimento, o grupo Time Warner, é dono da DC Comics (Superman, Batman, Sandman). Contudo, nem o potencial comercial da linguagem é suficiente para tirar as HQs de um território marginalizado. Com mais de um século de existência, os quadrinhos ainda enfrentam resistência para serem reconhecidos como uma linguagem de potencial artístico ou que sua leitura possa ser algo além de entretenimento para crianças e adolescentes.

Os esforços para reverter a nebulosa de incompreensão que se assenta sobre a chamada nona arte, no entanto, pouco ou nada têm a ver com o extremo financeiramente mais próspero dessa cadeia criativa. Em todo o mundo, crescem os esforços no sentido de um esclarecimento em torno do potencial e da efetiva riqueza cultural das HQs. Começam pelo empenho de artistas e editoras independentes em publicar material alternativo ao conteúdo tipo linha-de-montagem das grandes empresas do setor. Passa pela articulação política do segmento. E se manifesta em eventos específicos para a área e na criação de equipamentos de interesse público, como as gibitecas.

Índice desses novos tempos para os quadrinhos no Brasil foi a realização, em Nova Olinda (CE), do encontro Cariri Mostrando a 9ª Arte de Quadrinhos e Animação, promovido pela Fundação Casa Grande. O evento aconteceu na última semana, em Juazeiro do Norte, no SESC e no Centro Cultural Banco do Nordeste, e entre os dias 6 e 8 na própria Casa Grande de Nova Olinda.

No encontro, artistas e amantes da nona arte no Ceará dialogaram com seus pares de outras partes do País, de Portugal e do Canadá. Uma das presenças marcantes do evento foi a do português Nelson Dona, diretor do Festival Internacional de Banda Desenhada da Amadora (Fibda), que este ano chega à sua 21ª edição.

Participação

Para Dona, a iniciativa da Casa Grande ilustra bem o que ele pensa ser o caminho aberto ao segmento dos quadrinhos. "Quando fui convidado, minha primeira reação foi de desconfiança. Não pelo convite em si, porque participo de muitos eventos de banda desenhada, mas pelo projeto em si. Me parecia bom demais para ser verdade. Foi só aqui que vi o quanto o projeto é bonito, com toda a gente ativa", conta. Ele se refere à "filosofia" da Casa Grande, em que os jovens que participam do projeto, de um escola livre de comunicação e cultura, protagonizam as ações e participam da organização e concepção de eventos do gênero.

"O trabalho comunitário otimiza os recursos", defende Nelson Dona. É essa a fórmula por trás de festivais de quadrinhos em Portugal, caso do Fibda e do Festival Internacional de Banda Desenhada de Beja (representado em Nova Olinda por Paulo Monteiro). Em Amadora, há duas décadas, o festival começou reunindo pouco mais de mil pessoas. Hoje, recebe um público anual de 30 mil - com direito à participação de estrelas do quadrinho europeu, norte-americano e até brasileiro.

Novos olhares para as HQs

"A importância desse encontro só vai ser melhor compreendido daqui a algum tempo. É a primeira vez que uma gibiteca brasileira começa um processo de conexão, que aponta para a formação de uma rede", avalia Paulo Amoreira responsável pela Gibiteca de Fortaleza. O equipamento da Prefeitura foi inaugurado no ano passado e funciona nas dependências da Biblioteca Pública Bolor Barreira (Av. Universidade, 2572, Benfica). Amoreira lembra que, em Nova Olinda, foi esboçado o desenho da Rede Nona Arte, a ser criada a partir de iniciativas de instituições e agentes da cadeira produtiva dos quadrinhos (artistas, editores, comunicadores). Um documento foi assinado pelos participantes e encaminhado para o Ministério da Cultura (MinC), sinalizando uma parceria nacional para os futuros encontros da rede.

"É a partir de eventos como esse que a sociedade passa a compreender que a nona arte engloba sim produtos de entretenimento voltados para o público jovem, mas que ela não se esgota aí. Os quadrinhos passam a ser vistos como uma produção cultural de alta qualidade, que envolve códigos cultuais bastante pertinentes para serem apreciados e discutidos por todos", avalia Amoreira. Em pouco mais de um ano de existência, a Gibiteca transcendeu a condição de espaço para consulta e leitura de obras do gênero. Em Fortaleza, ela se tornou um lugar de encontros e discussões entre consumidores e produtores de quadrinhos.

Fique por dentro
O tesouro guardado nas gibitecas

Em nova Olinda a Fundação Casa Grande abriga uma gibiteca. Similar à Gibiteca de Fortaleza, ela abriga títulos de diversas partes do mundo. A dinâmica editorial das HQs reveste esses espaços de uma importância ainda maior que as bibliotecas tradicionais, pois a tiragem pequena e a pouca frequência de reedições deixam mesmo os clássicos fora do alcance dos amantes da nona arte. Na Casa Grande, destacam-se coleções de Tex (Itália) e de clássicos norte-americanos. Em Fortaleza, se destacam títulos contemporâneos e os encontros, debates e palestras que acontecem nas tardes de sábado.

DELLANO RIOS
REPÓRTER

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO DIÁRIO DO NORDESTE

Nenhum comentário: