domingo, 18 de abril de 2010

Agostini, Rio de Janeiro e a chuva

Gosto muito de Agostini. Aprendi a gostar com o Octavio Aragão, fiz minhas primeiras pesquisas e ainda continuo estudando sobre o autor e sua obra. Agostini me possibilita unir duas coisas que gosto: quadrinhos e história.

Esta semana recebi uma indicação de texto de André Brown que adorei. Segue o texto, com a devida referência à fonte. Espero que gostem, também.

INUNDAÇÕES NO RIO DE JANEIRO DE ONTEM E HOJE

André Brown

O céo parece rasgar-se em agua, como diria Chateaubriand, e ameaçar-nos de mais um dilúvio; as ruas enchem-se, os rios transbordam; vamos ser todos afogados... (DAST,Julio. Revista Illustrada, Rio de Janeiro, 12.1.1884. Correio Fluminense, anno 9, nº 368, p. 2.)

Figura 1 - AGOSTINI, Angelo. Revista Illustrada. Anno 9, nº 368. Rio de Janeiro, 1884. (p.4)

Assim foi d'esta vez; o Rio de Janeiro quasi não viveu esta semana. O novo anno começou mal. 1883 foi o anno dos terremotos; contaram-se mais de tres duzias. 1884, parece, chamar-se-á o anno das inundações, senão do dilúvio.

Foi com effeito sob a fórma d'um forte aguaceiro, que o anno novo nos remetteu seu cartão. Aguaceiro continuo, que não cessou mais. Ha seis dias que chove forte, grosso, abundantemente e sem interrupção, sem estiar um momento. O Rio de Janeiro não teve uma hora de bom tempo, de sol, para pôr a cabeça de fóra; teve que ficar em casa como Choufleury e resmoer, triste, o seu tedio. (DAST,Julio. Revista Illustrada, Rio de Janeiro, 5.1.1884. Correio Fluminense, anno 9, nº 367, p. 2.)

É sobretudo quando chove, que se vê quanto a cidade do Rio de janeiro é incommoda e relaxadamente construída. O pedestre é realmente acossado por mil meios, de todos os lados, por cima, por baixo, pela esquerda, pela direita. Restricto a marchar pelo passeio, elle recebe por cima a agua dos cannos quebrados, das goteiras mal arranjadas; por baixo, os cannos mal collocados atiram-lhes golphadas d'agua de afogar um elephante; as rodas dos carros, tilburys, etc., salpicam-n'o pela direita, pela esquerda.

Entretanto, se as posturas municipaes, que as ha e bem intelligentes a esse respeito, fossem observadas, nós não teríamos nem essas golphadas d'agua sobre as canellas, nem essas fortes duchas sobre o occiput ou o castor... porque não obrigar os fiscaes a olharem para estas cousas.

Seria um grande serviço á população fluminense.( ROLANDO. Revista Illustrada, Rio de Janeiro, 5.1.1884. Correio Fluminense, anno 9, nº 367, p. 2 - 3.)

Não fosse a ortografia e as referências de época, seria fácil confundir os textos e imagens, publicados originalmente na Revista Illustrada de Angelo Agostini no Rio de Janeiro de 1884, com as trágicas notícias dessa semana. Depois de 126 anos da publicação destes exemplares da Revista Illustrada, ainda não aprendemos a lidar com os problemas da cidade, que se repetiram, sempre a custa de vidas humanas, pelo menos, nas grandes inundações de 1966, 1988, 1996 e na atual em 2010.

O tempo tambem quiz tomar parte no entrudo; e o esplenduroso prestito dos Fenianos teve a mesma sorte do que o exercito de Pharaó na passagem do mar Vermelho!

Figura 2 - AGOSTINI, Angelo. Revista Illustrada. Anno 9, nº 373. Rio de Janeiro, 1884. (p.4)

Ainda no século XIX, Agostini e os cronistas da Revista Illustrada apontavam para o acúmulo de lixo nas ruas do Rio de Janeiro e a deficiente infraestrutura urbana como causadores de enchentes e epidemias. O cuidado com o lixo é uma responsabilidade do poder público e também da população. Como podemos aprender com os quadrinhos de Agostini, que é uma característica climática da cidade a recorrência de fortes chuvas, é preciso trabalhar preventivamente para evitar novas catástrofes, ou pelo menos diminuir o impacto das enchentes com ações diretas que consigam impedir a construção de habitações em áreas de risco, o despejo de lixo nas encostas e rios.

Figura 3 - AGOSTINI, Angelo. Revista Illustrada. Anno 6, nº 237. Rio de Janeiro, 1881 (p. 4).

O Rio de Janeiro ainda sofre com o excesso de lixo produzido e com as consequentes epidemias como a de dengue, agravada pelo acúmulo de lixo que se transforma em focos do mosquito Aedes Aegypty em toda a cidade, mesmo com a atual coleta diária de nove toneladas de lixo pela Comlurb[1]. A Revista Illustrada mostra, em seus quadrinhos, o impacto da febre amarela e da peste bubônica no Rio de Janeiro oitocentista, em contraponto mostra também que surge, naquele período, a revolução na limpeza urbana empreendida pelo francês Aleixo Gary na corte imperial:

Uma discreta notícia inserta na Gazeta de Notícias de 11 de outubro de 1876, sobre o novo contratante da limpeza urbana da cidade, deixa antever importantes mudanças na administração e execução do serviço de limpeza urbana. Aleixo Gary, francês de origem, inaugurava uma nova era na história da limpeza pública no Rio, apoiado principalmente em sua eficiência de trabalho. (Disponível em <> acesso em 02/04/2010.)

Até hoje os trabalhadores encarregados da limpeza urbana no Rio de Janeiro são conhecidos pela população carioca como garis, uma clara referência à ação de Aleixo Gary. A história em quadrinhos que narra esse episódio do cotidiano carioca, publicada na Revista Illustrada pode servir como recurso pedagógico para aulas sobre cuidados com o lixo nas cidades, coleta seletiva, reciclagem e prevenção às epidemias. Podem ser úteis também na elaboração de materiais didáticos, campanhas educativas.



[i] Companhia Municipal de Limpeza Urbana - Comlurb - é a maior organização de limpeza pública na América latina. Sociedade anônima de economia mista tem a Prefeitura da cidade do Rio de Janeiro como acionista majoritária. Seu principal objetivo é a limpeza urbana no município do Rio de Janeiro, tendo como principais atribuições os serviços de coleta domiciliar, limpeza dos logradouros públicos, das areias das praias, de parques públicos, do mobiliário urbano, dos túneis, viadutos, e, em especial, a limpeza e higienização de hospitais municipais. Coleta e destinação adequada de todos os resíduos produzidos em unidades de saúde localizadas no município do Rio de Janeiro. Transferência, tratamento e disposição final do lixo. A empresa também dispõe de um Centro de Pesquisas Aplicadas, em Jacarepaguá, o Centro de Informações Técnicas da UNICOM – Universidade Corporativa da Comlurb, o Galpão de Artes Urbanas Hélio G. Pellegrino, na Gávea, e a Casa de Banhos Dom João VI – Museu de Limpeza Urbana, no Caju. (disponível em acesso em 02/04/2010.

FONTE: CARTUM FAZ HISTÓRIA

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