domingo, 17 de fevereiro de 2008

Texto faz uma análise das Histórias em Quadrinhos

Texto muito interessante, que faz uma análise técnica sobre os quadrinhos, mostrando como eles mudaram e como se adaptaram aos nossos dias. A artigo saiu na edição de hoje do Diário do Nordeste. As ilustrações incluídas não são as mesmas do artigo original. Vale a leitura.

HISTÓRIAS EM QUADRINHOS [1]

Explosão criativa

RICARDO JORGE [2]

Variedade do código: aventuras de super-herói e o erotismo psicodélico italiano, velhas formas que tem assistido nascer novas formas de quadrinhos

As histórias em quadrinhos não são mais as mesmas. Muda tudo, da linguagem empregada aos conteúdos, dos formatos ao público. Neste domingo, o Caderno 3 esboça um panorama destas evoluções e revoluções das HQs.


HISTÓRIAS EM QUADRINHOS

Linguagem adulta

As HQs encerram múltiplas possibilidades da linguagem numa artic
ulação visual entre texto, imagem e disposição espacial

Por mais paradoxal q

ue possa parecer, não começarei este texto rebatendo que quadrinhos são coisa de criança. Não agüento mais: confunde-se o mercado editorial voltado para o público infanto-juvenil (que é uma coisa) com a linguagem em si (o que é outra coisa bem distinta). O mesmo ocorre com a animação, mas como o assunto aqui diz respeito aos quadrinhos, detenhamo-nos neles.

Antes de t
udo: os quadrinhos são uma forma de linguagem quase completa. Eles articulam três instâncias: o texto (o que muitos fazem questão de esquecer, sem falar no fato de que várias gerações se alfabetizarem com ajuda dos quadrinhos);

a imagem e a disposição espacial dos quadros. Ou seja: para trabalhar com a linguagem quadrinística é preciso ter habilidade textual (argumento, roteiro), domínio das técnicas de desenho (realista, cartunesco, experimentalista) e capacidade de distribuir espacialmente uma história em quadros (ou outros formatos, como círculos, triângulos, trapézios e similares). Não é à toa que poucos são os artistas que são 100% responsáveis pelo seu trabalho nessas três

instâncias: além do talento, é preciso bastante tempo disponível.

Para nós, os quadrinhos são uma forma de linguagem já adulta. Peguemos por exemplo os co
nsiderados primeiros quadrinhos brasileiros, “Nhô-Quim” (1869) e “Zé Caipora” (1883), ambos criados por Ângelo Agostini. O texto é, basicamente, dentro do padrão literário (ou seja, narrador e personagens), sem os característicos balões; os desenhos obedecem ao rebuscamento que busca o realismo (dentro dos padrões do desenho a traço) e a disposição dos quadros é quase sempre simétrica, fazendo com que a sua composição interna seja sempre a mesma: imagem em cima, texto embaixo.

É difícil dizer quando o experimentalismo da linguagem quadrinística começou a ocorrer. De minha parte, adoro os trabalhos de Jim Steranko, que ainda n

os anos 1960 misturava artes plásticas, pop art, op art, psicodelia, cores, texturas e reticulas e chegou a fazer uma página quádrupla(!) para uma historinha de Nick Fury (Marvel). Aos neófitos, uma verdadeira aula de desenho e ousadia.

Costuma-se dizer que os quadrinhos têm uma grande relação com o cinema. Mais recentemente, Hollywood ganhou novo fôlego graças à computação gráfica. Filmes recentes como “Demolidor” (Mark Steven Johnson, 2003) e

“Homem-Aranha” (Sam Raimi, 2002, que já tinha a experiência nesse entrelugar, com o filme Darkman) traziam para as telas cenas que só eram possíveis, em tese (ou na nossa cabeça), nos quadrinhos. As linhas cinéticas (uma convenção quadrinística por excelência) se transformavam no ritmo frenético dos corpos dos super-heróis em movimento acelerado e edição idem. O cinema nunca mais seria o mesmo, graças aos (ou por culpa dos, dependendo do seu ponto de vista) quadrinhos.

No entanto as histórias em quadrinhos tem ido vão cada vez mais além dos limites das revistinhas infanto-juvenis e da influência sobre o cinema. Um exemplo cada vez mais costumeiro é o seu uso jornalístico. Como ocorrido, recentemente

, no portal G1, mostrando em quadrinhos a história intitulada “3 Minutos no MASP”, sobre o assalto ocorrido no museu paulista em fins de 2007. Roteirizada por Dego Assis e ilustrada por Leo Aragão, são seis páginas de diálogos em parte imaginados mas que retratam um modo diferente de relatar o ousado assalto. quem achou curioso pode acessar no site do G1.

O que quero mostrar com esse exemplo? Que os quadrinhos p
odem não substituir (ou até podem, dependendo do caso), mas complementar uma boa reportagem, seja ela impressa ou audiovisual. É uma pena que a maior parte dos usos que são feitos dos quadrinhos nos jornais refira-se quase sempre a relatar ações policiais e similares.

Por seu modo de constituição, os quadrinhos são uma ótima ferramenta didática: permitem mostrar passo a passo como algo acontece. Em artigo online intitulado “Ciência e histórias em quadrinhos: uma relação sem limites”, o professor Waldomiro Vergueiro, da USP, afirma que as HQs são uma linguagem híbrida que têm como base uma ligação com a ciência. Segundo ele (e vale a pena
citá-lo), “a linguagem dos quadrinhos coloca em funcionamento os quadrantes do cérebro, fazendo atuar, paralelamente e em perfeita sintonia, tanto o esquerdo, responsável pela racionalidade e espaço por excelência do domínio científico, como o da imaginação criativa, âmbito privilegiado da produção poética e ficcional, o direito”.

Em suma: há poucos limites para o uso dos quadrinhos como linguagem. Eles se aproximam daquilo que o pesquisador espanhol Joan Costa e o alemão Abraham Moles chamam de “imagem didática”, ou seja, são uma articulação visual entre texto, imagem e disposição espacial que permitem ensinar, visualizando, coisas e fatos que não podem ser registrados a olho nu, com máquinas fotográficas, filmadoras e equipamentos de visão similares. Assim, os quadrinhos seriam tão importantes para essa área quanto os mapas cartográficos e os gráficos estatísticos, por exemplo.

Poderia ficar aqui falando muito mais sobre o potencial da linguagem dos quadrinhos mas, para finalizar, prefiro remeter o amigo leitor a duas obras do quadrinista norte-americano Scott McCloud, “Desenhando Quadrinhos” e “Desvendando os Quadrinhos”, ambos publicados no Brasil e “escritos” em forma de quadrinhos. Após a leitura destes, fica a impressão de que os intelectuais são meio burros, pois eles só sabem escrever...

Quem quiser acessar o texto original é só clicar aqui


Caderno 3 – Diário do Nordeste, 17 de fevereiro de 2008.

Ricardo Jorge é jornalista, doutorando em Comunicação na UFPe e professor do Departamento de Comunicação Social da UFC

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