domingo, 16 de novembro de 2008

A leitura mudando a vida das pessoas

A reportagem abaixo, não tem nada a ver com gibis, mas tem a ver com cidadania, com respeito, com altruísmo, coisas que a gente não vê com muita freqüência no nosso dia-a-dia, e muito menos nos noticiários de TV. Eu separei livros, alguns poucos, e estou enviando. A cada mês pretendo repetir esta ação e convido a todos os nossos leitores e leitoras a fazerem o mesmo.

A OUTRA VIAGEM
Marcelo Abreu
Da equipe do Correio


Certo dia, sentada na sua cadeira com vista para a janela, uma passageira intrigou-se com a cena a que assistira. Em vez de olhar para a paisagem, fixou o olhar naquele homem. Viu que ele folheava um livro. Conseguiu ver o autor. Era Jorge Amado. Entre um sossego e outro, enquanto não chegava passageiro, ele passava uma página. Ela percebeu que, além daquela viagem, havia outra, que andava longe daquele ônibus. A mulher se encasquetou. Antes de descer, foi até o moço e perguntou: “Você gosta de ler, cobrador?” Ele devolveu, envergonhado: “Gosto, sim, senhora!”


Ela desceu e desapareceu no meio da multidão. Uma semana depois, embarcou novamente naquele ônibus. E trouxe três livros para o cobrador. Eram obras de literatura brasileira. De tanta emoção, o moço engasgou. Levou para casa seu mais novo acervo. Devorou-os. Enquanto lia suas histórias, pensou: “Por que não compartilhar isso com outras pessoas?” E ele teve uma grande idéia: levaria os livros para o ônibus e assim incentivaria outras pessoas a ler também. Antes, muito antes, ele pensou em montar uma biblioteca em Sobradinho II, onde mora. Seria um espaço de leitura e pesquisa para quem quisesse chegar. Desistiu pela completa falta de apoio e nenhuma condição financeira.


Sem ter uma biblioteca fixa, resolveu que ela seria itinerante. Juntou as 10 obras que tinha em casa, colocou numa sacola e partiu para o ônibus onde trabalhava, um circular em Sobradinho II. Ali, a idéia se espalhou. Numa caixa de papelão perto da roleta, ele colocou os livros. E um cartaz: Projeto Cultura no Ônibus. Ninguém entendeu nada. “É pra pagar?”, perguntavam alguns. Não era pra pagar. Era pra ler, pegar emprestado, com o compromisso de devolver, e pegar mais. Tantas vezes quisesse. Incansavelmente, ele explicou sua idéia para os passageiros da sua linha. E pedia doação. Quem tivesse algum livro em casa, e não mais quisesse, ele aceitaria.


A novidade se espalhou. Em poucos meses, havia centenas. De todos os tipos, gêneros, gostos. Até gibis. E o povo começou a ler, levar para casa, trocar. Falar de poesia, comentar sobre histórias. Nem a confusão do ônibus lotado tirou a vontade de ler dos passageiros. A linha de Antônio tornou-se a mais disputada do pedaço. Há sete meses, porém, o cobrador foi transferido para a linha 82, que parte do Núcleo Bandeirante com destino ao Setor de Abastecimento e Armazenagem Norte (Saan). Ali, recontou sua história. E mais livros chegaram. A casa modesta onde mora de aluguel com a mulher, filho e uma enteada não coube mais tanta coisa. Ele teve que alugar um barraco para guardar o acervo que não parava de chegar. Todo mês, desembolsa R$ 120, do salário de R$ 569, para pagar o aluguel do lugar onde está seu tesouro. Hoje são mais de 4 mil livros.


Feito de sonho

Na nova linha, o cobrador Antônio da Conceição Ferreira, maranhense de 36 anos e há 13 morando no DF, teve mais uma boa idéia. Deixaria as obras mais visíveis, para que o passageiro pudesse vê-las melhor. Não perdeu tempo. Foi a uma banca de jornal da Rodoviária do Plano Piloto e pediu a uma funcionária que lhe desse um porta-jornais de plástico. Contou o que pretendia fazer. Saiu dali com cara de menino que ganha presente de Natal.


No dia seguinte, levou o porta-jornais para sua biblioteca ambulante. E o pendurou depois da roleta, logo atrás do validador de cartões eletrônicos. E o anúncio, numa folha A4, impressa em computador, o nome do seu projeto. O povo que ainda não conhecia a intenção do cobrador se indagava: “O que seria aquilo?” Outros se aproximavam. E ele explicava tudo mais uma vez. Aos poucos, as pessoas foram entendendo. E descobriram que não precisariam pagar nada para ler livros, trocados todo dia. A disputa foi grande. As viagens nunca foram tão concorridas. A linha 82 virou atração. Há quem a espere com ansiedade.


Quem pega o livro assina uma ficha, que vira o cadastro. Lá, consta o nome do leitor e o telefone. Nada mais. Prazo de devolução? “Varia de acordo com a capacidade de leitura de cada um”, ele explica. Em um ano, não mais que 10 livros deixaram de ser devolvidos. “Jamais vou deixar de levar meu projeto pra frente porque um ou outro não devolveu. Os honestos não podem pagar pelos não honestos”, reflete o cobrador — filho de um lavrador e uma catadora de coco babuçu. Antônio deixou os confins do Maranhão atrás de um sonho: estudar e “ser alguém na vida”.


Aqui, entretanto, por causa das dificuldades financeiras, ele ainda não conseguiu terminar o ensino médio. Precisou trabalhar para sobreviver. Foi auxiliar de serviços gerais, balconista, vendedor e, há 8 anos, virou cobrador. Levou o desejo de estudar para dentro do ônibus. Realiza-se quando observa um passageiro extasiado com seus livros. “Quem lê tem uma visão mais crítica das coisas, do mundo e da vida. Aí, se liberta”, ele filosofa. E, assim, durante seis horas e meia por dia, seis dias por semana, faz o que mais gosta: leva conhecimento a quem, na maioria das vezes, não teria condições de comprar um livro.


Início da tarde de sexta-feira, 12h40. O Correio acompanhou uma viagem da linha 82. Nela, o cobrador Antônio e o motorista Aurélio Marcos Araújo, 35. Saída: Terminal Rodoviário do Núcleo Bandeirante. Destino: Saan. Tempo total da viagem completa: 1h30. E vamos nós. Logo na Metropolitana, bairro próximo ao terminal, sobem mãe e filha. Ambas passam na roleta. Sentam-se atrás do porta-livros. Larissa, de 7 anos , vê uma revistinha da Mônica. Não se contém. Vai até a biblioteca e pega o gibi. Encanta-se com a historinha. A mãe, Renata Oliveira, 25, elogia a idéia do cobrador: “Ajuda a viagem passar logo”.


E o ônibus segue. Chega à Candangolândia. Francisca Santos, 28, entra. Auxiliar de serviços gerais numa empresa do Saan, a moça estava ansiosa para pegar aquela linha. E havia motivo especial. Na quarta-feira, pediu ao cobrador que lhe arrumasse um bom romance. Antônio foi ao seu acervo e trouxe Momentos de encanto, de Helen Bianchin. Francisca passará todo o fim de semana lendo. “Ele (Antônio) faz uma coisa que eu nunca tinha visto igual”, avalia. E confessa: “Quando eu pegava o ônibus, só queria dormir. Agora, só penso em ler, ler muito”.


Dedicação à cultura

Aniversariante da sexta-feira, a auxiliar de teleatendimento Adriana Leandro, 30, também embarcou na linha 82. E, grata ao cobrador que lhe devolveu o prazer da leitura (em pouco mais de três meses leu oito livros), emocionou-se: “Sou fã desse homem. Ele faz esse trabalho e não ganha nada por isso. Faz pela dedicação à cultura”. Naquele dia, Adriana levou Quando é preciso voltar, de Zíbia Gaspareto. “Há um ano procurava por esse livro. Ele conseguiu pra mim. É meu presente de aniversário”, comemora a leitora.


O estudante Fernando Augusto Salvador, 17, é grato a Antônio. Morador de Santa Maria, ele desce na Candangolândia para seguir na linha 82, que o leva ao Saan, onde faz estágio. Numa dessas viagens, descobriu os livros do cobrador. Pirou ao encontrar O pagador de promessas, de Dias Gomes. “Adoro ler. Este ano, já li mais de 100 livros. O que esse cara faz não tem preço, ainda mais num país onde quase ninguém lê”, elogia Fernando.


E a viagem continua. O tempo urge. Uns entram, outros descem. A vida sacoleja. Mas a biblioteca sobre rodas está ali, à espera de um leitor. De alguém que possa sonhar por meio de letras. Assistindo a tanta catarse, a tantos renascimentos, Antônio admite, com os olhos marejados: “Esse é o meu sonho. Ver todo mundo lendo, pensando melhor. Queria poder colocar livros em todos os ônibus do DF”. E planeja, convicto: “Ano que vem, vou voltar aos meus estudos. Em 2010, se Deus quiser, pretendo entrar na faculdade de biblioteconomia, da UnB”. Tem gente que passa pela vida. Há outros que edificam, transformam, realizam sonhos e são capazes de renascer. O cobrador que encheu um ônibus de livros e tem ajudado a mudar a vida das pessoas faz parte da segunda categoria.


Por uma causa

Quem puder doar livros e ajudar Antônio no projeto cultural pode

ligar para 9195-5023


O endereço para quem quiser enviar livros é:

AR7 Conjunto 1A, Lote 10 - casa 3

Sobradinho II

Cep: 73060-702 Brasília - DF

4 comentários:

Anônimo disse...

Fantástica essa história!! Por isso que eu digo: não há quem não goste de ler; há quem nunca teve a oportunidade de folhear um livro... Ler é vício, e dos melhores!!
Bjs,
Leonor.

Natania A S Nogueira disse...

Já empacotei três livros - bons - e vou enviar ainda hj, se possível. É um tipo de campanha da qual vale a pena participar. Espero que mais pessoas mandem livros. :-)

Patrícia disse...

Olá!!
Parabéns pelo texto! Inspirador!
Se importa se eu colocar o link no meu blog? Gostaria de fazer uma nota sobre o assunto e, de certa forma, participar da campanha.
Mil beijos =)

Natania A S Nogueira disse...

Fique a vontade!!! A idéia é esta!!
:-)