Tiras científicas
04/03/2008
Por Washington Castilhos, do Rio de Janeiro
Pesquisa feita por Claúdia Kamel, do Departamento de Inovações Educacionais do Instituto Oswaldo Cruz, destaca potencial das histórias em quadrinhos na divulgação científica e no ensino de ciências (foto: W.Castilhos)
Agência FAPESP – Antes vistas como subliteratura, as histórias em quadrinhos podem ser um importante instrumento na divulgação científica e no ensino de ciências em salas de aula.
A conclusão é da bióloga Claúdia Kamel, do Departamento de Inovações Educacionais do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), que analisou o potencial educacional de cerca de 400 histórias em quadrinhos da Turma da Mônica, de autoria de Maurício de Sousa.
A proposta, feita para dissertação de mestrado, era verificar se gibis poderiam ser usados como subsídios didáticos para introduzir, elaborar e complementar conhecimentos científicos. “É preferível usar, como apoio, materiais que as crianças já lêem. Os quadrinhos são publicações acessíveis a grande parte da população, podendo, portanto, ser trabalhadas em contextos diferenciados, tanto em escolas públicas como nas particulares”, disse.
Segundo o estudo, intitulado Ciências e quadrinhos: explorando as potencialidades das histórias como materiais instrucionais, as publicações escolhidas contemplam os três grupos temáticos que são trabalhados nas aulas de ciências naturais do ensino fundamental brasileiro, com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): ambiente; corpo humano e saúde; e ciência e tecnologia.
Das 392 revistas da Turma da Mônica analisadas (que incluem títulos dos personagens Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali e Chico Bento), 274 apresentavam referências aos tópicos em questão, sendo o tema “ambiente” o mais citado (em um total de 162 gibis).
“Muitos têm a percepção de que a tecnologia está estritamente ligada aos artefatos de última geração da atualidade, e não a todos os artefatos desenvolvidos para a melhoria da condição de vida humana”, disse Cláudia.
Segundo ela, as histórias do Piteco, o homem das cavernas criado por Maurício de Souza, mostram o uso da tecnologia – e sua origem – de forma clara. “O tacape do Piteco representa um instrumento que possibilitou ao homem caçar e garantir sua subsistência. O abridor de latas é um desses instrumentos. Então, a partir do tacape, podemos estimular as crianças a pensar e a enumerar esses artefatos até os dias atuais”, sugeriu.
Hábitos de higiene e de alimentação também podem ser trabalhados. “Em uma história do Rolo, por exemplo, a questão da automedicação é abordada. Os quadrinhos não têm a pretensão ou o compromisso de formar conceitos: as crianças constroem padrões de certo e errado”, observou.
Para a bióloga, a aversão do Cascão por tomar banho e o mau hábito da Magali em comer demais despertam o senso crítico da criança. “As histórias do Cascão podem trazer para a sala de aula um contraponto. O fato de a Magali comer demais permite discutir o que pode ser uma dieta saudável”, disse.
Pouco usados
Claúdia ressalta que pelo menos 20 competências cognitivas são acionadas durante a leitura de uma história em quadrinhos, entre as quais a perspectiva e a profundidade. “Em um quadrinho, dois personagens podem estar desenhados em um só plano, mas as crianças sabem quem está mais próximo ou mais distante. A leitura dos quadrinhos, assim como em qualquer outro tipo de leitura, não é meramente uma leitura linear sujeita somente a um único tipo de interpretação. Nesse sentido, eles podem levar seus leitores a ampliar seus conceitos de compreensão de ambientes diversos”, afirmou.
Ao analisar a forma com que os autores de livros didáticos de ciências utilizam tiras e histórias em quadrinhos para introduzir ou complementar tópicos curriculares dessa disciplina no ensino fundamental, a pesquisa também destaca que a utilização de quadrinhos nessas coleções de livros ainda é fraca ou simplesmente não ocorre.
“A pesquisa evidenciou que nos livros didáticos de ciências naturais analisados essa linguagem ainda é muito pouco explorada, o que nos conduz a pensar em estudos posteriores acerca de sua aplicabilidade como elemento articulador em aulas”, disse Cláudia.
A pesquisadora do IOC lembra que, em décadas passadas, os quadrinhos eram vistos como formas de promover a preguiça mental de seus leitores. “Atualmente, constata-se, cada vez mais, que a linguagem deles pode e deve ser utilizada não somente para entreter os leitores, como também – ainda que de forma indireta – para promover e desenvolver competências cognitivas por meio do processo de conclusão e abstração”, afirmou.
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