Em "O Mocinho do Brasil", o jornalista Gonçalo Junior reconstitui a trajetória de "Tex" no Brasil, tendo como pano de fundo a história editorial dos quadrinhos no País
Sem trajes colantes de cores fortes, ou músculos a dar na vista, nem mesmo poderes extraordinários. Nada disso impede de descrevermos o jornalista Gonçalo Junior como um super-herói. O baiano é um dos incontáveis fãs dos quadrinhos espalhados pelo Brasil. O que o distingue da quase totalidade deles é o compromisso em pensar esta arte/ mídia e de resgatar sua história.
Gonçalo Junior é autor da mais consistente bibliografia dedicada à história das histórias em quadrinhos no Brasil. É dele o clássico instantâneo "Guerra de Gibis", que narra a origem da moderna indústria dos quadrinhos no Brasil, movimentada pela disputa de décadas entre jornalistas e editores Adolfo Aizen e Roberto Marinho. Historiou, ainda, a editora Abril, que foi lar de Mônica, Mickey e outros; e os mestres do erotismo italiano. Trabalhos de conteúdos inéditos, que levam os quadrinhos à sério, na condição de objetos de estudo. Num país em que a bibliografia acerca das HQs é formada por minguadas páginas, que conhecedores da nona arte abarrotam de achismos e preconceitos, trata-se de uma obra de leitura incontornável.
O novo trabalho de Gonçalo Junior também tem esse quê de livro obrigatório: "O Mocinho do Brasil - A história de um fenômeno editorial chamado Tex". Nele, o jornalista reconstitui a trajetória do caubói Tex Willer no País (e aproveita para comemorar os 60 anos de criação do personagem).
Dono de uma base de fãs invejável, o caubói italiano foi criado pelo roteirista Gian Luigi Bonelli (pai do célebre editor Sergio Bonelli) e pelo desenhista Aurélio Galleppini, em 1948. Ele fez sua primeira aparição, por estes lados, em 1951, na revista Junior, editada por Roberto Marinho.
De 1971 para cá, Tex não saiu mais das bancas (e, mais recentemente, gibiterias). Passou por quatro editoras e hoje é publicado pela Mythos, que mantém ativos quatro títulos do personagem: "Tex", série principal, com histórias inéditas, que já chega ao número 477; "Tex Coleção"; "Tex Edição Ouro"; e "Tex Edição Histórica", todas elas dedicadas a reedições de aventuras antigas - e clássicas.
Spaghetti ou caviar?
Dos personagens do fumetti (as HQs italianas), Tex não é o único habitante do Oeste Selvagem. No entanto, é o mais romântico. Com tramas menos políticas que "Mágico Vento" (que toca na ferida dos massacres das populações nativas norte-americanas), Tex é um cavaleiro sóbrio, um homem da lei que luta limpo contra criminosos e corruptos, num Velho Oeste de mentirinhas, dos filmes mais "limpinhos", de Hollywood. Este tom "ingênuo" é um dos alvos dos detratores do gibi. Em alguns sites dedicados aos quadrinhos, Tex sequer é mencionado - sinal de um olhar "cabeça", que o vê como obra menor, produto industrial e leitura vulgar.
O livro de Gonçalo Junior sai em defesa do personagem, como obra de arte digna de ser lida, apreciada e, mais urgente, estudada. "Este livro é, na verdade, uma provocação minha à arrogância e à prepotência de muitos que se dizem conhecedores, estudiosos e especialistas em quadrinhos. Muitos desses caras não gostam da minha postura provocativa em relação à mediocridade que marca boa parte da pesquisa sobre gibis no país - pela sua pobreza temática e superficialidade. Assim, faço dessa obra mais uma cutucada ao preconceito que essas pessoas têm e que só reforçam a imagem ruim contra os gibis como forma de expressão, de comunicação e de arte. Essas pessoas são as mesmas que generalizam e dizem que mangá e Tex são subprodutos do mercado, criados para venda fácil (exploração comercial) e em larga escala. Na verdade, isso me estimulou a fazer a obra, pois, claro, eu sempre soube que Tex merecia um livro por muitas razões e não apenas uma", afirma Gonçalo Junior.
"Tex é, antes de tudo, um fenômeno editorial no Brasil. E, como tal, merece ser estudado e melhor compreendido. Sem dúvida que tem uma fórmula que, graças à competência de seus editores italianos, consegue se manter interessante a um grande público. Ao mesmo tempo, traz elementos folhetinescos que sempre alimentaram a literatura de entretenimento, como acontece também com o mangá. Só que, em diferentes momentos, várias aventuras extrapolaram essa receita e se destacaram como clássicos do faroeste- Num nível tão marcante que se aproximam de grandes filmes, como os de Sergio Leone e Jonh Ford, dois mestres do gênero que mais gosto. Existem muitas outras observações que justificam o livro e eu convido o leitor do seu jornal a conhecê-las melhor", instiga.
O fenômeno Tex, não apenas no Brasil, surpreende se pensarmos na perda de popularidade enfrentada pelo gênero de faroeste, tanto nas HQs, como no cinema e na TV. Gonçalo explica que o gênero se retraiu, mas nunca chegou a sair de cena. Além disso, ele aponta o VHS e, mais recentemente, o DVD, como suportes que facilitaram a redescoberta do bang-bang por novos públicos.
"Mas creio que o leitor de Tex é particular um pouco em relação a tudo isso: ele é fiel e se renova muito lentamente. Tanto que a revista não vende mais 150 mil por edição, como nos anos de 1980. Vale ressaltar que faroeste lida com vários elementos que pegam firme no emocional de grandes platéias: aventura, drama, romance e senso de justiça. Isso não morre nunca, sempre vai atrair pessoas interessadas", avalia o jornalista, que encontra parentescos entre as narrativas do fumetti e as telenovelas brasileiras.
"Tanto no Brasil quanto na Itália existem várias revistas de Tex em circulação e, à exceção da série original, que traz novos títulos, todos os outros apresentam exaustivamente republicação de histórias antigas. Isso se reflete na manutenção do personagem como bom produto de vendas. Acho que, de forma competente, o Grupo Bonelli tem conseguido investir na concepção dos roteiros, apesar de descambar, às vezes, para o terror e o sobrenatural. As histórias atuais continuam eficientes como leitura de entretenimento, mas não são mais marcantes e antológicas como nos tempos de Gian Luigi Bonelli. É como dizer que Janete Clair continua imbatível como criadora de telenovelas", compara.
Pão e água
A bibliografia crítica sobre os quadrinhos, editada no Brasil, é pouco extensa e carece de profundidade. Clássicos como "Shazam!" (1970), coletânea de ensaios publicada por um dos grandes nomes da área, Álvaro de Moya, é bastante irregular - e não se decide entre o estudo rigoroso, acadêmico, e o depoimento de admiradores das HQs. Os livros de Will Eisner, "Quadrinhos e Arte Seqüencial" e "Narrativas Gráficas", são bons apenas como manuais, mas carecem de uma conceituação mais consistente. Isto, só para ficar nos exemplos mais famosos.
Moacy Cirne, um dos autores referenciais no Brasil, também tem uma bibliografia bastante irregular. Em "Uma introdução política aos quadrinhos" (1982), faz uma leitura marxista desta mídia, que é bastante agressiva com seu conteúdo de entretenimento. Para Gonçalo Junior, obras como esta ainda influenciam o olhar que se tem sobre as HQs, entre a "crítica" e a academia. "Esse discurso ultrapassado de anti-imperialismo aparece até hoje na discussão pela reserva de mercado para o artista brasileiro. Sou contra isso, acho que não tem de haver paternalismo, que leva ao parasitismo e só destrói ainda mais o mercado. Creio que nossos artistas deveriam trabalhar mais, ler mais, tornar-se competitivos como em qualquer profissão. No livro ´Enciclopédia dos Quadrinhos´ (2006), comento e resenho perto de 700 obras com o propósito de mostrar que existe sim uma ampla bibliografia sobre os quadrinhos, mas pouca coisa de realmente relevante", opina o autor.
Para ele, a situação não é melhor nas universidades. "A academia passou décadas desprezando os gibis como produto de comunicação de massa. Até mesmo nas críticas implacáveis à chamada Indústria Cultural (pela Escola de Frankfurt) detonam a TV e o cinema, mas ignora-se os quadrinhos. De modo geral, a pesquisa de quadrinhos na academia ainda engatinha e o que tem saído começa a melhorar", comenta. No entanto, Gonçalo Junior lamenta a falta de senso crítico. "Essa onda de adaptações literárias, por exemplo, tem sido tratada de modo equivocado, até mesmo pelos pretensos críticos, que acolhem tudo sem qualquer juízo de valor e apenas aplaudem os editores", dispara, contra um dos atuais filões do mercado editorial não especializado em HQs. "Estão publicando quadrinhos porque querem empurrar qualquer porcaria nos programas de compra de livros do Governo Federal, dos estados e dos municípios".
Sem trajes colantes de cores fortes, ou músculos a dar na vista, nem mesmo poderes extraordinários. Nada disso impede de descrevermos o jornalista Gonçalo Junior como um super-herói. O baiano é um dos incontáveis fãs dos quadrinhos espalhados pelo Brasil. O que o distingue da quase totalidade deles é o compromisso em pensar esta arte/ mídia e de resgatar sua história.
Gonçalo Junior é autor da mais consistente bibliografia dedicada à história das histórias em quadrinhos no Brasil. É dele o clássico instantâneo "Guerra de Gibis", que narra a origem da moderna indústria dos quadrinhos no Brasil, movimentada pela disputa de décadas entre jornalistas e editores Adolfo Aizen e Roberto Marinho. Historiou, ainda, a editora Abril, que foi lar de Mônica, Mickey e outros; e os mestres do erotismo italiano. Trabalhos de conteúdos inéditos, que levam os quadrinhos à sério, na condição de objetos de estudo. Num país em que a bibliografia acerca das HQs é formada por minguadas páginas, que conhecedores da nona arte abarrotam de achismos e preconceitos, trata-se de uma obra de leitura incontornável.
O novo trabalho de Gonçalo Junior também tem esse quê de livro obrigatório: "O Mocinho do Brasil - A história de um fenômeno editorial chamado Tex". Nele, o jornalista reconstitui a trajetória do caubói Tex Willer no País (e aproveita para comemorar os 60 anos de criação do personagem).
Dono de uma base de fãs invejável, o caubói italiano foi criado pelo roteirista Gian Luigi Bonelli (pai do célebre editor Sergio Bonelli) e pelo desenhista Aurélio Galleppini, em 1948. Ele fez sua primeira aparição, por estes lados, em 1951, na revista Junior, editada por Roberto Marinho.
De 1971 para cá, Tex não saiu mais das bancas (e, mais recentemente, gibiterias). Passou por quatro editoras e hoje é publicado pela Mythos, que mantém ativos quatro títulos do personagem: "Tex", série principal, com histórias inéditas, que já chega ao número 477; "Tex Coleção"; "Tex Edição Ouro"; e "Tex Edição Histórica", todas elas dedicadas a reedições de aventuras antigas - e clássicas.
Spaghetti ou caviar?
Dos personagens do fumetti (as HQs italianas), Tex não é o único habitante do Oeste Selvagem. No entanto, é o mais romântico. Com tramas menos políticas que "Mágico Vento" (que toca na ferida dos massacres das populações nativas norte-americanas), Tex é um cavaleiro sóbrio, um homem da lei que luta limpo contra criminosos e corruptos, num Velho Oeste de mentirinhas, dos filmes mais "limpinhos", de Hollywood. Este tom "ingênuo" é um dos alvos dos detratores do gibi. Em alguns sites dedicados aos quadrinhos, Tex sequer é mencionado - sinal de um olhar "cabeça", que o vê como obra menor, produto industrial e leitura vulgar.
O livro de Gonçalo Junior sai em defesa do personagem, como obra de arte digna de ser lida, apreciada e, mais urgente, estudada. "Este livro é, na verdade, uma provocação minha à arrogância e à prepotência de muitos que se dizem conhecedores, estudiosos e especialistas em quadrinhos. Muitos desses caras não gostam da minha postura provocativa em relação à mediocridade que marca boa parte da pesquisa sobre gibis no país - pela sua pobreza temática e superficialidade. Assim, faço dessa obra mais uma cutucada ao preconceito que essas pessoas têm e que só reforçam a imagem ruim contra os gibis como forma de expressão, de comunicação e de arte. Essas pessoas são as mesmas que generalizam e dizem que mangá e Tex são subprodutos do mercado, criados para venda fácil (exploração comercial) e em larga escala. Na verdade, isso me estimulou a fazer a obra, pois, claro, eu sempre soube que Tex merecia um livro por muitas razões e não apenas uma", afirma Gonçalo Junior.
"Tex é, antes de tudo, um fenômeno editorial no Brasil. E, como tal, merece ser estudado e melhor compreendido. Sem dúvida que tem uma fórmula que, graças à competência de seus editores italianos, consegue se manter interessante a um grande público. Ao mesmo tempo, traz elementos folhetinescos que sempre alimentaram a literatura de entretenimento, como acontece também com o mangá. Só que, em diferentes momentos, várias aventuras extrapolaram essa receita e se destacaram como clássicos do faroeste- Num nível tão marcante que se aproximam de grandes filmes, como os de Sergio Leone e Jonh Ford, dois mestres do gênero que mais gosto. Existem muitas outras observações que justificam o livro e eu convido o leitor do seu jornal a conhecê-las melhor", instiga.
O fenômeno Tex, não apenas no Brasil, surpreende se pensarmos na perda de popularidade enfrentada pelo gênero de faroeste, tanto nas HQs, como no cinema e na TV. Gonçalo explica que o gênero se retraiu, mas nunca chegou a sair de cena. Além disso, ele aponta o VHS e, mais recentemente, o DVD, como suportes que facilitaram a redescoberta do bang-bang por novos públicos.
"Mas creio que o leitor de Tex é particular um pouco em relação a tudo isso: ele é fiel e se renova muito lentamente. Tanto que a revista não vende mais 150 mil por edição, como nos anos de 1980. Vale ressaltar que faroeste lida com vários elementos que pegam firme no emocional de grandes platéias: aventura, drama, romance e senso de justiça. Isso não morre nunca, sempre vai atrair pessoas interessadas", avalia o jornalista, que encontra parentescos entre as narrativas do fumetti e as telenovelas brasileiras.
"Tanto no Brasil quanto na Itália existem várias revistas de Tex em circulação e, à exceção da série original, que traz novos títulos, todos os outros apresentam exaustivamente republicação de histórias antigas. Isso se reflete na manutenção do personagem como bom produto de vendas. Acho que, de forma competente, o Grupo Bonelli tem conseguido investir na concepção dos roteiros, apesar de descambar, às vezes, para o terror e o sobrenatural. As histórias atuais continuam eficientes como leitura de entretenimento, mas não são mais marcantes e antológicas como nos tempos de Gian Luigi Bonelli. É como dizer que Janete Clair continua imbatível como criadora de telenovelas", compara.
Pão e água
A bibliografia crítica sobre os quadrinhos, editada no Brasil, é pouco extensa e carece de profundidade. Clássicos como "Shazam!" (1970), coletânea de ensaios publicada por um dos grandes nomes da área, Álvaro de Moya, é bastante irregular - e não se decide entre o estudo rigoroso, acadêmico, e o depoimento de admiradores das HQs. Os livros de Will Eisner, "Quadrinhos e Arte Seqüencial" e "Narrativas Gráficas", são bons apenas como manuais, mas carecem de uma conceituação mais consistente. Isto, só para ficar nos exemplos mais famosos.
Moacy Cirne, um dos autores referenciais no Brasil, também tem uma bibliografia bastante irregular. Em "Uma introdução política aos quadrinhos" (1982), faz uma leitura marxista desta mídia, que é bastante agressiva com seu conteúdo de entretenimento. Para Gonçalo Junior, obras como esta ainda influenciam o olhar que se tem sobre as HQs, entre a "crítica" e a academia. "Esse discurso ultrapassado de anti-imperialismo aparece até hoje na discussão pela reserva de mercado para o artista brasileiro. Sou contra isso, acho que não tem de haver paternalismo, que leva ao parasitismo e só destrói ainda mais o mercado. Creio que nossos artistas deveriam trabalhar mais, ler mais, tornar-se competitivos como em qualquer profissão. No livro ´Enciclopédia dos Quadrinhos´ (2006), comento e resenho perto de 700 obras com o propósito de mostrar que existe sim uma ampla bibliografia sobre os quadrinhos, mas pouca coisa de realmente relevante", opina o autor.
Para ele, a situação não é melhor nas universidades. "A academia passou décadas desprezando os gibis como produto de comunicação de massa. Até mesmo nas críticas implacáveis à chamada Indústria Cultural (pela Escola de Frankfurt) detonam a TV e o cinema, mas ignora-se os quadrinhos. De modo geral, a pesquisa de quadrinhos na academia ainda engatinha e o que tem saído começa a melhorar", comenta. No entanto, Gonçalo Junior lamenta a falta de senso crítico. "Essa onda de adaptações literárias, por exemplo, tem sido tratada de modo equivocado, até mesmo pelos pretensos críticos, que acolhem tudo sem qualquer juízo de valor e apenas aplaudem os editores", dispara, contra um dos atuais filões do mercado editorial não especializado em HQs. "Estão publicando quadrinhos porque querem empurrar qualquer porcaria nos programas de compra de livros do Governo Federal, dos estados e dos municípios".
Serviço
O Mocinho do Brasil
Autor: Gonçalo Junior
História
Editora laços 2009
212 páginas
R$ 39,90
Fonte: Diário do Nordeste
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