quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Ziraldo, um defensor incansável da leitura


Depois de alcançar popularidade com a mais notável de suas criações, o "Menino Maluquinho", Ziraldo estreia como apresentador de televisão. A frente do programa ABZ do Ziraldo, na TV Brasil, todo domingo ao meio-dia, diverte e ensina as crianças. "Só faço o que acredito", diz ele, sorridente. Na atração, o escritor e cartunista incentiva o prazer da leitura e estimula a imaginação e a criatividade dos pequenos.

Por trás dos cabelos brancos, este homem de 77 anos, formado em direito, revela-se um verdadeiro menino maluquinho. Pintor, jornalista, desenhista e escritor, aprendeu fazer da troca intelectual com pessoas de todas as idades uma deliciosa forma de viver. Nesta conversa com a repórter Jeane Margareth, do EDUCAR PARA CRESCER, falou sobre suas lembranças da escola e de seu amor pela leitura, entre outros temas.

1) Qual sua melhor lembrança dos tempos de escola?
Ziraldo: A primeira escola que freqüentei foi uma escola pública em Minas Gerais. Naquela época, se chamava Grupo Escolar e era uma criação de Benedito Valadares, governador nomeado por Getúlio Vargas que estava fazendo no estado, junto com o velho Chico Campos - o do Manifesto Mineiro - uma revolução na Educação em Minas. Chico Campos mandou buscar na Suíça uma educadora discípula de Claparède [Édouard Claparède, pioneiro suíço da psicologia infantil] e ela revirou o ensino mineiro de cabeça para baixo. O Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), do Getúlio, comandado por Filinto Müller, inundava as escolas públicas do país com um vasto material impresso, onde despontavam os cartazes do sorridente ditador saudando as crianças do Brasil que se ufanavam de seu país. Ninguém resistia ao sorriso cativante de Getúlio. Aqueles cartazes são minha lembrança mais marcante desta época. Para terminar, a "modernidade" da escola encantava minha mãe. A horta no pátio, o teatrinho escolar (chamado, no plural, de dramatizações), as festas e brincadeiras no pátio, com a presença dos pais...

2) Lembra-se de algum professor em particular?
Ziraldo: Lembro de vários professores. Todas as minhas professoras no curso primário foram inesquecíveis. Lembro da Kate (Catarina Rocha, que me inspirou para criar a Professora Muito Maluquinha), da Dona Nini Campos, que me amava e me olhava com ternura; Dona Didi, que se encantava às lágrimas com minhas invenções; Dona Glorinha D'Ávila, que me "descobriu" e foi até ao armazém onde meu pai trabalhava para avisá-lo: "Olho neste menino!". Professores só vim a ter no ginásio.

3) Como analisa o ensino desta época?
Ziraldo: Tive muita sorte em chegar à escola primária no momento em que Minas Gerais começava a aplicar na escola pública os ensinamentos de Helena Antipoff. Ela foi uma grande educadora, revolucionária, mesmo, que o governo de Minas mandou buscar na Suíça. Os conceitos de uma escola para o século XX começaram ali, em Minas. Justo quando cheguei... Foi bom demais.

4) Na sua opinião, a tecnologia ajuda ou atrapalha?
Ziraldo: A história da humanidade mudou com a invenção do tipo móvel. O que é chamado de invenção da Imprensa por Gutemberg foi, apenas, isto: fazer um carimbinho para cada letra e juntar este carimbo para levar ao prelo. Uma pequena ideia que mudou a história da humanidade. O livro saiu dos conventos e foi para a rua. Em quinhentos anos, o ser humano, que não conseguia se mover a não ser andando desde que começou a andar a pé (põe milhares de anos nisso), chegou à Lua. Tudo porque o livro foi para a rua. A chamada revolução tecnológica, centrada na Internet, vai mudar o mundo na mesma medida. É um marco igual, em minha opinião. De futuro e conseqüências inimagináveis.

5) O ABZ do Ziraldo surgiu de que maneira? Era um sonho antigo?
Ziraldo: Primeiro, eu fiz 26 livrinhos, cada um sobre uma letra. Chamava-se Coleção ABZ. Um dia, a editora Melhoramentos decidiu juntar todos num livro só. Virou o maior livro para crianças feito no Brasil em número de páginas e de ilustrações (mais de seiscentas). Isso virou um programa na TV. As coisas simplesmente foram acontecendo. Eu não esperava virar autor e apresentador para criança. No máximo, eu sonhava em ser desenhista de histórias em quadrinhos.

6) Qual a proposta de seu programa?
Ziraldo: Minha proposta se resume numa frase que fiz para um cartaz da Melhoramentos, que virou meu lema: "Ler é mais importante do que estudar".

7) Qual a preocupação imediata em relação à educação de nosso país?
Ziraldo: A leitura é quase uma obsessão minha. A escola fundamental brasileira devia ensinar quatro coisas às crianças até que elas estivessem equipadas para receber o ensino curricular. As quatro coisas são: ler, escrever, contar e entender o que é ser cidadão. O resto, a vida, o ginásio e a universidade, ensinam. O Brasil devia decidir o seguinte: a partir de hoje nenhuma criança brasileira cresce sem dominar esses quatro aspectos. No final do século, não teríamos um só analfabeto no Brasil. E teríamos um povo capaz de escolher com lucidez o seu destino.

8) Você foi um bom aluno?
Ziraldo: Eu era divertido. Bem, bom aluno, acho que não era, não. Nunca fiz os meus deveres conforme me pediam. Estudava pra passar de ano (coisa errada que esta escola velha de hoje ainda obriga a criança a fazer). O que eu fazia era ler muito. E inventar histórias. Ah, sim: ensine seu filho ou seu aluno a inventar. Foi o próprio Einstein quem disse: "A imaginação é mais importante do que o conhecimento". Se puder, ensine a ele a regra de três simples também. Para ele poder desenhar o mapa de casa, caso se perca no caminho.

9) O que faz uma boa escola e um bom professor?
Ziraldo: Competência e vocação.

10) Lembra do primeiro livro que lhe chamou a atenção?
Ziraldo: Eu mergulhava nos Tesouros da Juventude, nos clássicos da Literatura Infantil, nos contos de Grimm e de Andersen, numa revista chamada Era uma vez, em livros como Gulliver, Alice no País das Maravilhas, A Pequena Sereia, Pinóquio, Cinderela, etc... A minha mãe lia para mim. Até que, um belo dia, comecei a ler o gibi do Super-Homem e fiquei completamente fascinado. Abri a primeira revista de história em quadrinhos que caiu em minhas mãos e entendi o meu futuro.

11) Que livro indicaria a crianças para fazê-las gostar de ler?
Ziraldo: A criança deve ler de tudo. Livros de histórias, livros que contam casos, gibis, etc. Tudo que possa despertar a curiosidade das crianças para a vida e para o mundo. Livros! Qualquer livro!

12) Qual matéria deve voltar a constar no currículo escolar?
Ziraldo: A escola deve optar pelo ensino da palavra, fazer a criança descobrir que palavra não é grunhido. Cada palavra é cheia de significados. Há um jeito de você saber o que está falando só pelas sílabas e pelos pedacinhos de uma palavra. Como você pode querer que uma criança aprenda o que é o sujeito da oração, se ele pensa que este é um tipo qualquer (sujeito) que reza (oração). Se a escola me explicasse que fração era pedaço eu teria aprendido frações. Como é que eu podia ter respeito por uma fração? Tudo o que me ensinaram de gramática no primário não me serviu para nada na vida. O que me ensinaram de latim num pobre ensino ginasial me foi muito mais útil. Duas cadeiras fundamentais na escola, em minha opinião: Formação das Palavras e Gostar de Ler.

13) A tabuada em forma de música, que você ensina no programa, é um caminho para estimular o estudo? Isto serve para outras matérias também?
Ziraldo: Claro. Você guarda as palavras de toda canção que você gosta de cantar. Vê só quantas letras de música você sabe!

Fonte: Educar para crescer

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