A onda de caça a obras literárias disponíveis em bibliotecas escolares chegou ao Paraná. O vereador Jair Brugnago (PSDB), de União da Vitória, na Região Sul do estado, retirou das prateleiras da biblioteca da Escola Estadual São Cristóvão, onde é diretor, duas obras literárias indicadas para alunos de ensino médio. Após considerar o conteúdo dos livros inadequado, Brugnago entrou com ação no Ministério Público do município para pedir que todos os exemplares de Amor à Brasileira – que reúne vários contos, dentre eles um de Dalton Trevisan – e Um Contrato com Deus – e Outras Histórias de Cortiço, do escritor americano Will Eisner, sejam retiradas de todas as escolas da cidade. A retirada dos livros é criticada por especialistas (ver matéria nesta página).
As obras são enviadas pelo Ministério da Educação, por meio do Programa Nacional das Bibliotecas Escolares (PNBE), às escolas públicas de todo país. Elas fazem parte de uma lista selecionada e analisada por uma comissão de professores universitários da área selecionados pelo MEC. Os livros só chegam às bibliotecas das escolas depois de aprovados. A ação do vereador ocorreu após casos semelhantes em São Paulo e Santa Catarina. Em São Paulo, o conteúdo de Um Contrato com Deus já havia sido questionado por alguns educadores (leia box) por conter cenas de violência, sexo, estupro e pedofilia. Escrita em 1978, a obra recria memórias da infância do autor, vivida em um cortiço do Bronx, em Nova Iorque, nos anos 30. Eisner é considerado um dos artistas mais importantes de histórias em quadrinhos e da cultura popular do século 20.
Amor à Brasileira é uma coletânea de contos organizada por Caio Porfírio Carneiro e Guido Fidélis. Um dos contos questionados pelo vereador Brugnago é de autoria de Rodolfo Konder, jornalista que conquistou o Prêmio Jabuti, em 2004. O erotismo presente no conto traz termos classificados pelo vereador como “pouca vergonha”. Segundo o vereador, as obras não são adequadas para os adolescentes. Ele resolveu lê-las depois que percebeu que os estudantes da escola estavam emprestando o livro com muita frequência. Retirou então os exemplares da biblioteca e agora eles estão com a promotoria de Justiça para serem analisados. “Esses livros não condizem com a realidade da educação. Os termos neles são vulgarizados e tem até trechos de pedofilia. Acho inadmissível gastar dinheiro público para colocar pornografia nas escolas públicas”, diz.
Como vereador, ele pediu que os responsáveis pela biblioteca municipal não emprestassem as obras para estudantes, somente para os universitários. “Não ia querer que um filho meu lesse isso. Os pais da escola e da cidade concordam comigo”, comenta. A secretária de educação de União da Vitória e esposa do vereador, Marli Brugnagno, diz que como educadora não consegue permitir esse tipo de material dentro das bibliotecas. “Os livros chegaram e foram direto para a biblioteca, só depois vimos. Se o MEC manda, a gente confia que é bom.”
O presidente do Conselho Estadual de Educação, Romeu Gomes de Miranda, explica que não é permitido retirar obras da biblioteca dessa forma. Segundo ele, primeiro o vereador teria de entrar com ação no Ministério Público e as obras só seriam recolhidas se a Justiça permitisse. “O MEC tem uma comissão de alto nível. Nenhum vereador tem o poder de retirar os livros das escolas. Isso é censura”.
O diretor da LGE Editora, Antonio Carlos Navarro, responsável pela comercialização do livro Amor à Brasileira, ressalta que há um processo muito rígido na escolha dos títulos que vão integrar o Programa Nacional das Bibliotecas Escolares. “Sempre há uma intenção, um objetivo pedagógico e cultural dos profissionais que escolhem os livros. Esse livro é uma coletânea de contos, com autores renomados. O livro em si não tem nada demais”, diz. A Editora Devir, que comercializa o livro Um Contrato com Deus, foi procurada pela reportagem, mas não retornou até o fechamento desta edição.
Na estante de 689 escolas
No Paraná, 689 escolas receberam – ou vão receber – os livros Amor à Brasileira e Um Contrato com Deus. Eles começaram a ser enviados pelo MEC no fim de abril e devem ficar nas estantes das bibliotecas destinadas aos alunos de ensino médio. A orientação dada pelo Ministério é que cabe às bibliotecárias cuidar do que é adequado a cada faixa etária, para que estudantes do ensino fundamental não tenham acesso às obras do ensino médio.
Na Escola Estadual Jayme Canet, em Curitiba, os livros já chegaram, mas ainda não estão nas estantes. Estão em processo de catalogação, assim como outras obras que a escola recebeu do MEC neste ano. A bibliotecária do colégio, Isabel Simões Klin, explica que eles ficam na biblioteca e todos os alunos podem pegar qualquer um deles. “Geralmente o que eu faço é orientar os menores, da quinta e sexta séries, em quais estantes estão os livros indicados para eles”, diz.A bibliotecária conta que os professores não costumam ir à biblioteca ver as obras, mas que ficaram bastante entusiasmados com os novos livros que o MEC tem mandado, inclusive obras de vestibular que antes a escola não tinha.
“Eu vi o livro Um Contrato com Deus e fiquei chocada. Achei inadequado, inclusive por falar em suicídio. Ainda não sei como ele vai ficar aqui na escola.”
Para a diretora da Escola Estadual Hasdrubal Bellegard, Francisleia Ishikiriyana, que está para receber o material, retirar os livros não é a forma correta de educar. ”Lutamos tanto pela democratização nas escolas e agora vamos proibir livros? Isso é contrariar tudo que acreditamos.” A escola também possui uma bibliotecária responsável pelo empréstimo de livros. Porém, Francisleia explica que nada vai para o local sem que os professores tenham visto e analisado.
Em defesa da literatura
Para a doutora especialista em leitura Marta Morais da Costa, professora da pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a literatura tem uma característica de descompromisso com a escola. “Há uma incompatibilidade entre a proposta da literatura e de uma escola sistematizada e normativa. A escola foi convertida num espaço e recebeu a função de passar cultura escrita para as crianças, coisa que famílias e outras instituições sociais não fazem”, diz. A professora ressalta que toda situação de censura leva a extremos. “Começa devagarinho e logo vamos ter uma pseudo literatura pasteurizada nas escolas”, ressalta.
As obras são enviadas pelo Ministério da Educação, por meio do Programa Nacional das Bibliotecas Escolares (PNBE), às escolas públicas de todo país. Elas fazem parte de uma lista selecionada e analisada por uma comissão de professores universitários da área selecionados pelo MEC. Os livros só chegam às bibliotecas das escolas depois de aprovados. A ação do vereador ocorreu após casos semelhantes em São Paulo e Santa Catarina. Em São Paulo, o conteúdo de Um Contrato com Deus já havia sido questionado por alguns educadores (leia box) por conter cenas de violência, sexo, estupro e pedofilia. Escrita em 1978, a obra recria memórias da infância do autor, vivida em um cortiço do Bronx, em Nova Iorque, nos anos 30. Eisner é considerado um dos artistas mais importantes de histórias em quadrinhos e da cultura popular do século 20.
Amor à Brasileira é uma coletânea de contos organizada por Caio Porfírio Carneiro e Guido Fidélis. Um dos contos questionados pelo vereador Brugnago é de autoria de Rodolfo Konder, jornalista que conquistou o Prêmio Jabuti, em 2004. O erotismo presente no conto traz termos classificados pelo vereador como “pouca vergonha”. Segundo o vereador, as obras não são adequadas para os adolescentes. Ele resolveu lê-las depois que percebeu que os estudantes da escola estavam emprestando o livro com muita frequência. Retirou então os exemplares da biblioteca e agora eles estão com a promotoria de Justiça para serem analisados. “Esses livros não condizem com a realidade da educação. Os termos neles são vulgarizados e tem até trechos de pedofilia. Acho inadmissível gastar dinheiro público para colocar pornografia nas escolas públicas”, diz.
Como vereador, ele pediu que os responsáveis pela biblioteca municipal não emprestassem as obras para estudantes, somente para os universitários. “Não ia querer que um filho meu lesse isso. Os pais da escola e da cidade concordam comigo”, comenta. A secretária de educação de União da Vitória e esposa do vereador, Marli Brugnagno, diz que como educadora não consegue permitir esse tipo de material dentro das bibliotecas. “Os livros chegaram e foram direto para a biblioteca, só depois vimos. Se o MEC manda, a gente confia que é bom.”
O presidente do Conselho Estadual de Educação, Romeu Gomes de Miranda, explica que não é permitido retirar obras da biblioteca dessa forma. Segundo ele, primeiro o vereador teria de entrar com ação no Ministério Público e as obras só seriam recolhidas se a Justiça permitisse. “O MEC tem uma comissão de alto nível. Nenhum vereador tem o poder de retirar os livros das escolas. Isso é censura”.
O diretor da LGE Editora, Antonio Carlos Navarro, responsável pela comercialização do livro Amor à Brasileira, ressalta que há um processo muito rígido na escolha dos títulos que vão integrar o Programa Nacional das Bibliotecas Escolares. “Sempre há uma intenção, um objetivo pedagógico e cultural dos profissionais que escolhem os livros. Esse livro é uma coletânea de contos, com autores renomados. O livro em si não tem nada demais”, diz. A Editora Devir, que comercializa o livro Um Contrato com Deus, foi procurada pela reportagem, mas não retornou até o fechamento desta edição.
Na estante de 689 escolas
No Paraná, 689 escolas receberam – ou vão receber – os livros Amor à Brasileira e Um Contrato com Deus. Eles começaram a ser enviados pelo MEC no fim de abril e devem ficar nas estantes das bibliotecas destinadas aos alunos de ensino médio. A orientação dada pelo Ministério é que cabe às bibliotecárias cuidar do que é adequado a cada faixa etária, para que estudantes do ensino fundamental não tenham acesso às obras do ensino médio.
Na Escola Estadual Jayme Canet, em Curitiba, os livros já chegaram, mas ainda não estão nas estantes. Estão em processo de catalogação, assim como outras obras que a escola recebeu do MEC neste ano. A bibliotecária do colégio, Isabel Simões Klin, explica que eles ficam na biblioteca e todos os alunos podem pegar qualquer um deles. “Geralmente o que eu faço é orientar os menores, da quinta e sexta séries, em quais estantes estão os livros indicados para eles”, diz.A bibliotecária conta que os professores não costumam ir à biblioteca ver as obras, mas que ficaram bastante entusiasmados com os novos livros que o MEC tem mandado, inclusive obras de vestibular que antes a escola não tinha.
“Eu vi o livro Um Contrato com Deus e fiquei chocada. Achei inadequado, inclusive por falar em suicídio. Ainda não sei como ele vai ficar aqui na escola.”
Para a diretora da Escola Estadual Hasdrubal Bellegard, Francisleia Ishikiriyana, que está para receber o material, retirar os livros não é a forma correta de educar. ”Lutamos tanto pela democratização nas escolas e agora vamos proibir livros? Isso é contrariar tudo que acreditamos.” A escola também possui uma bibliotecária responsável pelo empréstimo de livros. Porém, Francisleia explica que nada vai para o local sem que os professores tenham visto e analisado.
Em defesa da literatura
Para a doutora especialista em leitura Marta Morais da Costa, professora da pós-graduação em Letras da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a literatura tem uma característica de descompromisso com a escola. “Há uma incompatibilidade entre a proposta da literatura e de uma escola sistematizada e normativa. A escola foi convertida num espaço e recebeu a função de passar cultura escrita para as crianças, coisa que famílias e outras instituições sociais não fazem”, diz. A professora ressalta que toda situação de censura leva a extremos. “Começa devagarinho e logo vamos ter uma pseudo literatura pasteurizada nas escolas”, ressalta.
Professor de literatura há 12 anos, Marlus Geronasso ressalta que essa atitude é perversa. “Teremos de censurar tudo, sobretudo a televisão e internet. Se uma equipe de profissionais resolveu adotar esses livros, houve critérios e o dinheiro público não pode ser desperdiçado. O professor tem de analisar a situação em sala de aula”, diz. Geronasso lembra que em 1998 sofreu censura em uma escola particular com a obra Juliano Pavolline, de Cristóvão Tezza, o mesmo autor que teve livros recolhidos em Santa Catarina. “É possível contornar a situação, conversando com pais e com a escola. Quem se aventura na escolha do livro tem de ter um propósito. É hipocrisia quem faz busca aos livros”, diz.
A psicóloga e pesquisadora sobre aprendizagem e adolescência Gabriella Mello Sabag acredita que não há problema que o jovem tenha acesso ao conteúdo literário sobre sexo, desde que seja orientado pelos pais e professores. “O adolescente vai ter contato com sexo de qualquer forma, então é melhor que os responsáveis o ajudem a pensar nas consequências e a refletir sobre o que lê e vê."
Fontes:
http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/ensino/conteudo.phtml?tl=1&id=896996&tit=Em-defesa-da-literatura
http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/ensino/conteudo.phtml?tl=1&id=896995&tit=Na-estante-de-689-escolas
http://portal.rpc.com.br/gazetadopovo/ensino/conteudo.phtml?tl=1&id=896993&tit=Censura-a-livros-chega-ao-Parana
2 comentários:
Oi Natty,
Fazia tempo que não passava por aqui.Sabe, esse tema postei também no meu blog pois vivo em luta contra qualquer tipo de censura. Na minha opinião, deve-se incentivar todo tipo de leitura mas com orientação de professores e pais. O aluno deve desenvolver sua visão crítica e analítica de tudo. Com a leitura também. Mas...proibir é mais fácil que educar...
Bjs
Pois, é! Tem horas que as coisas ficam confusas: os meninos e meninas tem acesso a todo tipo (duvidoso) de conteúdo pela internet e através da TV e um quadrinho de boa qualidade artística e literária é que paga o pato... coisa de Brasil mesmo.
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