segunda-feira, 20 de julho de 2009

A excelência do gênero

História em quadrinhos é literatura? A dúvida é recorrente e povoa as mentes quando o assunto é deixar ou não deixar a criança mergulhar no universo das HQs

Socorro Acioli



Existe uma inquietação constante entre profissionais da educação sobre a eficácia e a utilidade das histórias em quadrinhos na formação dos jovens leitores. Esse desconhecimento sobre o tema geralmente surge condensado em uma pergunta: história em quadrinhos é literatura? A resposta é não. Assim como teatro não é cinema, escultura não é pintura, dança não é ginástica rítmica e música clássica não é MPB. São linguagens distintas e absolutamente valiosas, cada uma no seu universo.

São suportes e experiências de leitura diferentes, que se confundem e despertam essa dúvida de identidade pelas semelhanças nos elementos narrativos que existem entre elas. O julgamento de qualidade de uma história em quadrinhos (ou de um livro de literatura) deve ser feito levando em conta o nível de elaboração do produto que se tem em mãos, sem forçar comparações. Uma HQ de qualidade tem um bom desenho, personagens bem construídos e cativantes, enredos estruturados, conflitos que despertem o interesse do leitor e que guardem relação com seu universo, qualidade de texto, para citar alguns parâmetros.

A leitura de revistas em quadrinhos que reúnam essas qualidades deve ser fortemente incentivada entre as crianças. Elas despertam o gosto pela leitura, a habilidade de ler imagens, expressões faciais, a intimidade com o universo dos personagens, dentre tantos outros aspectos. Se esse artigo fosse uma palestra para uma plateia de pais e professores, seria a hora da segunda pergunta: qual é a melhor revista em quadrinhos produzida no Brasil e por quê?

A resposta está na ponta da língua: Turma da Mônica, de Mauricio de Sousa. Os motivos são muitos, mas sem dúvida o mais forte de todos é o poder que esse quadrinista tem de criar e desenvolver personagens que despertam identificação e paixão em seus leitores. Para começar pelo aspecto mais peculiar, poucas coisas são mais surpreendentes e originais nas revistas da Turma da Mônica do que as aparições súbitas de Mauricio de Sousa no meio ou no final de algumas histórias: o criador em forma de personagem. Isso acontece quando surgem situações tão inusitadas no enredo que levam os personagens a sair do papel e tomar conta da prancheta real de Mauricio. Essa aparição simpática e frequente do criador dentro das histórias – que, à primeira vista, pode parecer uma estratégia narrativa simples - guarda a essência do encanto do universo de Mauricio de Sousa: a humanidade do seu mundo ficcional.

Nós, adultos, às vezes esquecemos que as crianças mergulham nas histórias sem compreender muito bem de onde elas saem. É encantador para o leitor infantil quando, no decorrer da leitura de uma revista ele descobre que há um sujeito chamado Mauricio, de carne e osso, que um belo dia sentou-se em uma mesa e criou aquele mundo.

Essa descoberta provoca a identificação do leitor com as personagens e com o autor ao mesmo tempo. “Se esse tal Mauricio pode, eu também posso!”, eles pensam. A força dessa identificação faz com que inúmeras crianças escrevam as próprias histórias em quadrinhos todos os dias. Assim, nessa cadeia de ideias, os pequenos leitores dão os primeiros passos em um dos dons mais preciosos que podem desenvolver: a capacidade narrativa alimentada pela imaginação.

As aventuras da Turma da Mônica, em sua maioria, acontecem em uma única rua. Mônica, Magali, Cebolinha, Cascão, Franjinha, Bidu, entre tantos outros, vivem seus pequenos conflitos com intensidade e nos fazem torcer por eles. Toda menina tem uma melhor amiga - com quem briga de vez em quando, brinca de boneca, sente saudades, passeia e conta segredos.

Todo menino gosta do que o Cebolinha e sua turma gostam de fazer: jogar bola, implicar com as meninas, inventar novidades. Cada personagem tem um objetivo bem definido. Cascão quer escapar dos banhos. Magali quer comer tudo o que puder. Mônica quer ser a eterna dona da rua. Cebolinha quer ser o dono da rua também e por isso vive em duelo com a “baixinha, gorducha e dentuça”.

Existem ainda os personagens menos explorados, mas igualmente valiosos: os pais das crianças da rua. Inúmeros leitores da Turma da Mônica que liam as revistas na infância hoje estão lendo para os seus filhos, como eu. Nossa identificação agora é com esses pais que surgem de vez em quando para pôr ordem na bagunça – ou bagunçar mais ainda.

São mães presentes, que cuidam da casa, fazem bolinhos, conhecem os amigos dos filhos pelo nome e pais divertidos, que leem jornal de chinelos, brincam com os filhos, passeiam no final de semana e acabam envolvidos nas aventuras. Humanos, como eu e você. A rua da Turma da Mônica é o lugar da infância de todos nós. E o Maurício, ele sim, é o verdadeiro dono da rua.

SOCORRO ACIOLI é escritora, fã do Mauricio de Sousa e escreve diariamente no blog http://as-borboletas-de-fevereiro.blogspot.com.

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