domingo, 1 de março de 2009

Artigo sobre adaptações de literatura para quadrinhos

Memórias em quadrinhos


Michelle Ferret

Em plena crise no mercado editorial dos quadrinhos, a editora Escala Educacional lança duas obras nesse mar turvo. “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “O Triste Fim de Policarpo Quaresma” foram adaptados, respectivamente, pelas mãos dos desenhistas Sebastião Seabra e Francisco Sebastião Vilachã.

Transformar características peculiares como a falsidade de Marcela, o egoísmo de Quincas e a vaidade de Virgília foram os caminhos para que Seabra percorresse em 40 páginas uma história densa e repleta de detalhes traçados a lápis. Para o desenhista, esse é um dos caminhos mais difíceis de ser percorrido por um quadrinista. “A primeira produção da obra ficou restrita em 40 páginas e tive que cortar alguns personagens. Meu guia foi minha esposa, a roteirista Maria Sônia Barbosa. Ela digitou as páginas em quadrinhos com descrição de temas e legendas e eu segui esse roteiro. Fui cortando as histórias, vestindo as roupas, desenhando um detalhe ou outro e assim o livro foi elaborado”, contou o ilustrador Sebastião Seabra.

Seabra e Vilachã utilizaram basicamente os mesmos materiais para compor as obras. O primeiro processo é o esboço em folha A4 com grafite. “Esboço todos os desenhos com lápis 2b, defino os detalhes com lapiseira 03 e os contornos trabalho com 01 a 08. Para preencher as figuras, utilizo canetinha para retroprojetor. Depois de pronto, escaneio o desenho e coloco num programa para editar a página e faço as letras e os balões lá. Assim ela fica pronta em preto e branco e é colorido diretamente no computador. Depois de pronto, enviamos para as editoras por e-mail”, explicou o ilustrador Seabra.

Enquanto ele contava o processo mágico da elaboração dos quadrinhos, Seabra lembrou que antigamente os ilustradores apenas enviavam os desenhos e as editoras se encarregavam de finalizar. “Hoje em dia o ilustrador faz todo o processo. Inclusive os balões com os textos”, acrescentou.

Para a obra “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, Seabra conseguiu criar sete páginas por dia. “Como esse trabalho no Brasil é mal pago, a gente termina ficando com um tempo esgotado por fazer diversas outras coisas. Um trabalho como esse gira em torno de um a dois dias por página”, disse.

“O mercado de quadrinhos acabou no Brasil”

Essa é a frase do ilustrador Sebastião Seabra, que começou a publicar tiras de jornal e em revistas em quadrinhos ainda na década de 70 e participou de todo o processo de retrocesso dos quadrinhos. Ele que criou o personagem “O Vingador Mascarado” pela editora Phenix, hoje participa com tristeza da realidade que os ilustradores brasileiros se encontram. “O mercado de quadrinhos no Brasil acabou. A tecnologia é culpada de muitas coisas, mas no caso específico dos quadrinhos, diversas coisas vieram de bandeja. Há anos esse mercado é dominado por pessoas que não são da área. O mercado de quadrinhos foi muito rico. Na década de 70, eu vi editoras gerarem 100 mil cópias por mês, de uma só revista de heróis. E hoje em dia se vende no máximo 12 mil cópias, é uma venda muito baixa e uma triste realidade”, desabafou Seabra.

Ele acredita que os “editores medíocres” acabaram com o mercado. “Justificar essa falta total de leitores só pode ser com as porcarias que abarrotam as bancas hoje em dia. Esqueceram a qualidade”.

Seabra sobrevive hoje graças a atitude de editoras alternativas. “Existem autores hoje que estão fabricando suas próprias revistas, e é isso que está fazendo os quadrinhos sobreviverem. São pessoas dignas e está indo tudo muito bem. Há quase um ano estou trabalhando só para eles”, comentou.

Seabra, que já conviveu com grandes nomes do mercado de quadrinhos, hoje se diz “envelhecendo junto com o mercado”. “Nos anos 70 eu sabia que o mercado era bom e tinha idéia de que em 40 anos ficaria bom. E hoje percebo que ficou 10 vezes pior do que era. É um retrocesso absurdo”, finalizou.

Bate-Papo

Vilachã “Fui praticamente alfabetizado com os quadrinhos” diz

Para falar um pouco mais sobre o processo de criação em quadrinhos na obra “O Triste Fim de Policarpo Quartesma”, o ilustrador Francisco Sebastião Vilachã conversou com o VIVER.

Como foi o processo de criação da ilustração de “O Triste Fim de Policarpo Quaresma”? Por ser uma obra densa e com alto teor crítico, como você observou isso? Isso está revelado na ilustração?
Vilachã: Eu fui criado num subúrbio do Rio de Janeiro, cenário dos contos e romances do Lima Barreto, que eu procurei retratar numa seqüência de quadrinhos, em que é mostrado esse ambiente onde “além do namoro epidêmico e do espiritismo endêmico... o mais característicos são as casa de cômodos”... e outras mazelas, que vem se perpetuando ao longo do tempo...

Quantas vezes você precisou ler a obra? Teve acesso a outras linguagens senão a literatura?
No “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, por ser um romance, contei com a ajuda do roteirista Ronaldo Antonelli...nas minhas adaptações de contos como “A Causa Secreta” e mesmo numa novela como “O Alienista”, eu lia pelo menos, três vezes a obra, e no “Policarpo” eu li apenas uma vez, antes de receber o roteiro pronto, e começar a quadrinização. Tanto no cinema quanto nas novelas de época, venho encontrando boas referencias para o meu trabalho de recriação de cenários e figurinos.

Qual o trabalho mais próximo você já fez em relação a este?
Foi na quadrinização do romance “O Cortiço”, também a partir de um roteiro do Ronaldo.

Ser autor de quadrinhos é como ser co-autor ou autor principal das obras. Como você analisa isso? A força que os quadrinhos tem no Brasil e no mundo?
Toda a minha pretensão ao quadrinizar uma obra é que ela crie uma empatia com o leitor a partir da primeira página e sempre vá para página seguinte, envolvido com os personagens, cenário, enfim... toda a atmosfera... respeitando sempre a linguagem do autor. Claro que existem desenhistas mais personalistas, que se vêem como autor principal e fazem adaptações “mais livres”, em que o autor de fato, fica como uma referencia distante, o que eu também acho válido.

Como muitos da minha geração, eu fui praticamente alfabetizado com os quadrinhos, e ainda bem “moleque”, eu me maravilhava com as adaptações dos clássicos em revistas como “Epopéia” e Edições Maravilhosas”, depois todo um universo de fantasia povoado por dezenas de seres extraordinários. Gibis e mais gibis, fazendo a alegria de leitores de todas as idades pelo mundo afora...

Fonte: Tribuna do Norte

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