A carreira de Mauricio de Sousa, um dos mestres das histórias em quadrinhos nacionais, está completando 50 anos. Mas a fabriquinha de ideias e projetos do criador da Turma da Mônica está longe de dar sinais de esgotamento. Ainda comemorando o sucesso da recém-lançada “Turma da Mônica Jovem”, que já atinge a tiragem recorde 400 mil exemplares por edição, Mauricio participa da Bienal do Livro carioca neste final de semana para despejar nas estantes mais duas dúzias de títulos, entre revistinhas, edições comemorativas, livros de contos e até religiosos.
A cereja do bolo – especialmente para os marmanjos – é “MSP50”, álbum de luxo lançado pela editora Panini em capa dura ou capa mole, em que 50 desenhistas nacionais prestam seu tributo ao quadrinista veterano. O livro consiste em histórias de poucas páginas que homenageiam e reinterpretam os principais personagens da Turma: Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali, Chico Bento, Bidu, Franjinha, Horácio, O Astronauta, O Louco... A lista é extensa, assim como a dos desenhistas que participam do projeto: Laerte, Angeli, Ziraldo, Fernando Gonsales, Fábio Moon e Gabriel Bá, Ivan Reis, Lelis...
“É o grande álbum de ilustradores brasileiros. O mais rico catálogo feito até hoje de ilustradores brasileiros que, acidentalmente, falam e contam e desenham os nossos personagens, numa homenagem aos meus 50 anos de carreira", afirma Mauricio, cheio de modéstia.
O quadrinista, que descreve o álbum como “lindésimo”, conta o que sentiu ao ver seus “filhos” ressurgirem nas mãos de outros desenhistas. “Antigamente, eu ficava enciumado, agora fico lisonjeado e maravilhado. O mundo é grande o bastante para permitir que eu continue fazendo meus desenhos e que as pessoas continuem fazendo lindas releituras ou paródias”, afirma.
Segundo Mauricio, que teve a ajuda do jornalista Sidney Gusman na produção de “MSP50”, o resultado foi tão animador que, além dos 50 que entraram no livro, há mais outros “quase 50” que ficaram de fora e que, provavelmente, serão usados em um volume dois do álbum. "Há duas ou três histórias em que eu choro. Eu e você. Ou derrama uma lágrima ou fica com a garganta embrulhada."
'Mónica y su pandilla'
Prestes a completar 74 anos e ainda trabalhando ativamente como empresário e artista - ele praticamente não desenha mais as revistas, mas garante que todos os roteiros passam por sua aprovação -, Mauricio empolga-se ao falar dos projetos de expansão internacional de seu legado.
Também nesta Bienal estão sendo lançados os números 1 das versões da revista “Turma da Mônica” em espanhol (“Mónica y su pandilla”) e em inglês (“Monica’s gang”). A ideia é ir preparando terreno para a nova investida de Mauricio no mercado de animação mundial – além das revistas, que já estão sendo adotadas nas escolas do país, em breve o desenho da Turma da Mônica desembarca na China.
Mas o principal embaixador das histórias do quadrinista lá fora é a versão HQ do jogador de futebol Ronaldinho Gaúcho, publicada atualmente em 32 idiomas diferentes e alvo de uma série animada em parceria com o canal italiano RAI, que também está sendo comercializada na Europa. “O Ronaldinho-personagem já ficou independente do Ronaldinho-jogador. Eu e o Ronaldinho falamos sobre essa possibilidade no começo. Lembrei até do caso clássico do Lacoste, campeão de tênis da década de 30, que virou nome de grife, mas de quem ninguém mais se lembra. Pode ser que aconteça a mesma coisa com Ronaldinho. Se acontecer, ótimo. Vamos continuar com a grife”, diz.
De olho nos países lusófonos do continente africano – onde já publica suas histórias há anos -, o quadrinista planeja também, para o ano que vem, o lançamento de uma família de personagens negros que se juntará à Turma da Mônica. “A ideia é introduzir a música nas histórias. Os negros têm um ritmo e, como agora vamos fazer muito desenho animado, que depende muito de som, tenho que ter muita música”, explica. “São dois meninos e uma menina. Um deles é vidrado em música clássica, e o outro, em popular. Assim, vou poder mostrar os dois lados para o nosso público.”
A Turma cresceu
A preocupação com o politicamente correto – outro lançamento desta Bienal é “Vendo sem enxergar” (ed. Globo), história do menino cego Tonico –, não é o que norteia as criações de Mauricio, garante. É o mercado. Criticado por ter aliviado alguns “desviozinhos” dos personagens para a revista “Turma da Mônica Jovem”, lançada no ano passado, o quadrinista diz que se pautou apenas pelo senso de realidade. “Se você tem que fazer uma história com garotos de 15 anos, tem que obedecer a uma lógica. A Mônica não pode mais ficar dando coelhada. O Cebolinha tem que falar corretamente, ou senão vai continuar no fonoaudiólogo. O Cascão, com 15 anos, namorando e tudo o mais, tem que tomar banho... Ele pode não gostar, podemos não mostrar, mas ele teria que tomar banho”, justifica.
A Turma da Mônica em plena adolescência nos quadrinhos.
Com traços no estilo mangá – ou “mestiço”, como Mauricio prefere –, a revista “Turma da Mônica Jovem” tornou-se de fato um case de sucesso do setor de quadrinhos no país atualmente e devolveu ao quadrinista um filão que estava deixando de ler suas revistinhas justamente para se voltar às histórias em quadrinhos japonesas. “A infância começou a encolher. Nossos leitores, que antes nos largavam com 14 ou 15 anos e só voltavam bem depois quando tinham filhos, passaram a largar com 10 ou 11. Com a ‘Turma da Mônica Jovem’, eu comecei a recuperar um pouco desses leitores”, contabiliza.
Apesar da concorrência com os mangás e, em menor grau com os quadrinhos de super-heróis americanos, Mauricio comemora o avanço das HQs agora incluídas como material didático em diversas bibliotecas escolares e listas de materiais pedagógicos. “Está crescendo tudo. Nesse momento, estamos na fase dos romances históricos em quadrinhos, maravilhosamente pesquisados e desenhados pelos nossos colegas aí”, destaca o autor.
Sobre os recentes problemas envolvendo HQs de conteúdo adulto que foram consideradas apropriadas para alunos da rede escolar, o quadrinista minimiza o problema. “Efetivamente, quando temos um ministério, uma secretaria, um grupo de estudos avaliando, cada um tem um pensamento. O que vale é que finalmente o gibi está chegando à escola. Isso é bom porque desmistificou aquela bobagem de que gibi faz mal, que emburrece e afasta a criança do livro. Os quadrinhos empurram para o livro, abrem a cabeça da criançada para ficar mais esperta. Quem lê gibi tem melhores notas na escola, sem dúvida. Com ou sem pesquisa, eu sempre soube disso”, defende Mauricio - não só o quadrinista mas também o pai de dez filhos.
Fonte: Globo.com
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