Há muito tempo, li um artigo em jornal (se não me engano, foi no O Globo) tentando desvendar o motivo pelo qual apesar de ter uma grande presença na Ásia, o pop japonês não deslanchava no ocidente com a mesma força, por mais que seus fãs digam o contrário. A teoria do artigo era simples: falta de diferencial claro. É difícil imaginar que algum dia, digamos, uma cantora pop como Ayumi Hamasaki venha a estourar nas rádios do ocidente por si. Talvez se a vida der voltas e ela recomeçar a carreira com um marketing pesado das grandes gravadoras nos Estados Unidos, como aconteceu com Shakira (que, convenhamos, era muito mais autêntica, tinha músicas bem mais bacanas – e até era bem mais natural e mais bonita em sua identidade mais latina), isso possa mudar; mas aí, ela seria mais uma no mesmo terreno em que várias outras competem. Seria uma cantora americana que por acaso nasceu no Japão, não uma cantora japonesa em trajetória internacional. E o motivo era simples: ela, Koda Kumi, Utada, Crystal Kay e outras não fazem nada que não seja feito aos montes por dezenas de cantoras americanas, com igual competência (e claro, eu estou armando meu guarda-chuva, porque sei que os canivetes irão chover).
Em compensação, é mais fácil encontrar artigos na imprensa internacional sobre materiais de perfil mais cult como o finado (e bacana) Pizzicato Five, o chatinho Shonen Knife, o experimental Cornelius ou o punk doidão do Guitar Wolf. Todos lançados no Brasil, aliás – comprei os discos deles em edições nacionais, via lojas e megastores por aqui. Mesmo coisas que não chegam por aqui acabam chegando aos ouvidos de certas alas da mídia especializada internacional, como o alucinado Melt Banana. E o motivo é correlato: eles são diferentes do que se faz no ocidente. Trafegam por linguagens pop assumidamente internacionais, que já ultrapassaram suas origens anglo-americanas, e por isso são reconhecidas e aceitas; mas têm personalidade própria além da mera digestão estética. Pensando bem, são diferentes até de boa parte do que se faz no Japão. E por se alojarem em rótulos mais alternativos, dificilmente irão além de meios igualmente alternativos.
O fato é que parece haver alguma frustração clara por parte dos japoneses por essa relativa irrelevância da produção de seu país nos rumos da música pop mundial (digo "relativa" porque mal ou bem a produção japonesa parece se refletir em outros países do sudeste asiático), e isso se reflete e bem na sua mais visível válvula de escape: os mangás. Basta lembrar da abertura da versão animada do anime baseado no sensacional mangá Beck, de Harold Sakuishi, aonde se cantava a palavra de ordem: "I Was Made to Hit in America" (da música Hit in the USA). E isso não saiu da minha cabeça quando li sobre a nova obra de Kaiji Kawaguchi (sob roteiro de Tetsuo Fujii, campeão do concurso Manga Open da Kodansha): Boku wa Beatles, estreando na edição de 11 de Março da revista para leitores adultos Morning, da Kodansha. A história gira em torno de quatro estudantes japoneses dos dias de hoje que montam uma banda cover dos Beatles chamada… Fab 4. Ao andar de metrô, o grupo testemunha uma briga e ao cair, ele leva dois membros do grupo. E quando se dão conta, eles permanecem no Japão, mas a data nos jornais é 11 de Março de 1961. (Não é sintomático que nossos protagonistas sejam justamente uma banda cover – leia-se, se limitam a reproduzir?)
Levando em conta que Kawaguchi escreveu Zipang, e que o final (sem spoilers, gente), parece ser feito para tapar feridas do nacionalismo nipônico ferido após o final da Segunda Grande Guerra, fico pensando se a idéia aqui não é a de uma banda japonesa usurpando o local que os Beatles tiveram na música pop mundial – e alterando o rumo de tudo. E explicaria porque Kawaguchi se encantou tanto com o roteiro do novato Fujii, a ponto de querer desenhar ele mesmo o material. É cedo para falar qualquer coisa do material só com uma sinopse de primeiro capítulo em mãos, mas fica no ar se a idéia não é justamente imaginar a idéia de que uma banda pop japonesa possa virar a história cultural do mundo – mesmo às custas da obra alheia…
E convenhamos: ninguém no mundo foi imune aos Beatles. Nem o Japão.
FONTE: MAXIMUM COSMO
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