Algumas das melhores histórias em quadrinhos infantis são as que conseguem atingir também o público mais velho. Bons exemplos disso não faltam, como o trabalho de Carl Barks com Pato Donald e Tio Patinhas e as tirinhas da turma do Charlie Brown, de Charles Schulz. Esses e outros títulos ganharam ainda mais respaldo com o passar dos anos por sua qualidade e contribuição para a linguagem das HQs. E, curiosamente, acabaram virando artigos consumidos muitas vezes mais por adultos do que pelo seu público-alvo original. É o caso da série Mumin, da finlandesa Tove Jansson, e de Metrópolis, do japonês Osamu Tezuka, lançamentos recentes das editoras Conrad e NewPop, respectivamente.
A criação de Jansson (1914-2001) foi publicada pela primeira vez em 1945. Desde então, seus personagens se tornaram muito queridos em diversos países europeus (chegando a ter um parque temático na Finlândia) e no Japão, ganhando adaptações para o teatro e desenhos animados. No Brasil, no entanto, permaneciam desconhecidos.
Não é difícil entender a popularidade do personagem-título e de seus amigos. Trolls de aparência arredondada, semelhantes a hipopótamos, e olhar meigo, eles vivem em uma floresta repleta de criaturas ao mesmo tempo estranhas e simpáticas. Nas tiras, a autora aborda desde relações familiares até situações nonsense e comentário social. Os desenhos de Jansson são simples, mas bastante expressivos. A edição da Conrad é a versão nacional da coletânea lançada nos Estados Unidos pela conceituada editora Drawn & Quartely — que, em 2006, recuperou este clássico há muito fora de catálogo.
Mestre do mangá
Osamu Tezuka (1928-1989) é um dos artistas mais influentes do Japão no século 20, figura crucial tanto para o desenvolvimento dos mangás, as histórias em quadrinhos japonesas, quanto dos animes, os desenhos animados feitos no país. Tezuka é dono de uma obra extensa, mas poucos trabalhos dela saíram no Brasil. Metrópolis foi publicado originalmente em 1949. Em 2001, ganhou animação dirigida por Rintaro (disponível em DVD por aqui). Na trama, Michi é um menino-robô criado para ser usado como arma por um grupo criminoso conhecido como Partido Red. Mas o jovem escapa, se rebela, e acaba por liderar uma revolta das máquinas contra a opressão humana.
Em trabalhos posteriores, Tezuka alcançaria o ápice de sua produção. Metrópolis (o nome é uma referência ao filme de Fritz Lang, do qual o desenhista diz só ter visto o pôster), ainda que apresente vários dos elementos que tornaram sua obra famosa — o bom humor, a metalinguagem, as referências às HQs americanas antigas e Walt Disney, temas como tecnologia e meio ambiente —, não é aqui que ele apresenta sua melhor obra. O roteiro dá curvas inesperadas e se explica mais do que o necessário. Ainda assim, Metrópolis impressiona por sua narrativa ágil e personagens vivazes — dando a impressão de que o leitor tem um desenho animado nas mãos.
Assustadora
Não será estranho encontrar Scarygirl (garota assustadora, em inglês), do australiano Nathan Jurevicius, na seção infantojuvenil das livrarias brasileiras. Mas ainda que as crianças se interessem pelo título, talvez só o leitor mais velho consiga perceber tudo o que ele tem de interessante. Para começar, o autor é um designer de renome internacional, com exposições em galerias de diversos países. Entre a primeira e a segunda parte da história, uma entrevista com Jurevicius ajuda a conhecer mais seu trabalho. Uma galeria de rascunhos e fotos (com direito a vários de seus toy art) é um dos destaques deste lançamento da editora ARX.
Scarygirl ficou conhecida por seu jogo on-line (www.scarygirl.com). Na HQ é possível conhecer mais de seu universo. Habitado por criaturas ao mesmo tempo estranhas e encantadoras, como em um Alice no país das maravilhas estilizado, a obra usa uma narrativa sem palavras, conduzida pela sensacional arte do desenhista. A personagem-título tem estranhos sonhos e parte em busca de um misterioso homem que sempre aparece neles. Em sua jornada, ela será ajudada pelo coelho Bunniguru e pelo polvo Blister. Scarygirl é recomendadíssima para quem curte toy art, desenhos animados de Genndy Tartakovsky (Samurai Jack, Laboratório de Dexter) e a revista de design Zupi.
REPORTAGEM DE PEDRO BRANDT, PUBLICADA NO CORREIO BRASILIENSE
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