segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Antes luxo, formato livro vira padrão nos quadrinhos


Flávia Denise de Magalhães - Portal Uai

Os gibis foram o primeiro contato de muita gente com a palavra escrita. O fato de o papel não ser de qualidade e de a impressão deixar a desejar mal era percebido em uma época na qual aquela era a única opção para quem queria ler histórias em quadrinhos. A realidade de hoje é outra. O formatinho, com acabamento menos caprichado e que foi o mais comum por anos, ainda existe nos quadrinhos da Turma da Mônica e da Disney, mas o tamanho americano, antes considerado produto de luxo, virou padrão. E agora, quando uma série merece um tratamento diferenciado, ela é lançada não como revista, mas em um formato que remete a um produto mais sério e literário: o livro.

"Eu prefiro o formato revista", opina Paulo César Sabadini, analista de testes e consumidor de quadrinhos. Para ele, a revistinha ganha do livro por ser mais portátil e pela periodicidade. "O livro é mais benfeito, a tecnologia de impressão é melhor, mas eu prefiro a revistinha mesmo. É mais portátil e de 15 em 15 dias tem mais", explica. Por outro lado, o estudante André Pereira acredita que os formatos devem coexistir, sem dar preferência para um deles. Para ele, a mudança está relacionada com a publicação de quadrinhos adultos. "Quando você passa para o formato do livro, o quadrinho perde a aparência de coisa de criança", opina. O estudante acredita que a mudança é sinal de uma nova etapa na produção dos HQs.

A intuição do estudante não está longe da verdade. O editor do Quadrinhos na Cia, selo especializado da Companhia das Letras, André Conti, conta que a criação da divisão está ligada com a vontade de deixar clara a separação entre quadrinhos infantis e adultos. Antes da estreia do selo, os quadrinhos eram publicados no selo juvenil da Cia das Letras, o que gerava uma gama de problemas. A escolha dos temas era limitada, já que sexo, drogas e violência não podiam estar presentes em livros que seriam vendidos ao lado de clássicos da literatura infantil.

A solução foi criar um selo específico, a Quadrinhos na Cia. Um dos exemplos da mudança do formato praticada por Conti é o recém-lançado Scott Pilgrim contra o mundo, de Bryan Lee O'Malley. A série de seis volumes sobre um rapaz que tem que brigar com um clube de ex-namorados para ficar com a garota amada foi lançada como revistinha nos EUA entre 2004 e 2010. Porém, no Brasil a série conta com lançamento em três volumes, que mais lembram um livro do que revistas em quadrinhos.

Segundo André Conti, a decisão de publicar três volumes teve dois motivos. O primeiro é que a editora lança cerca de 10 obras por ano e ele não poderia reservar mais da metade da sua capacidade de publicação para um título. O segundo motivo seria uma questão de respeito ao leitor, que tem acesso a toda a série em um curto espaço de tempo, com três obras de qualidade, em vez de esperar anos por revistinhas com um acabamento pior.

Analisando a questão do formato, Conti não duvida de que a mudança foi para melhor. "O formato revistinha era uma adaptação brasileira. Ele era impresso em um papel pior e mais barato. No caso do selo isso não faz sentido. A própria estrutura das obras que publicamos é de livro", esclarece.

Diferença

"As revistas acabaram. O formato não funciona mais", opina o ilustrador Rafael Coutinho. Ele é o desenhista por trás de Cachalote, que tem texto de Daniel Galera. O livro conta a história de seis pessoas que nunca se cruzam. Para o artista, a mudança na forma de publicação não é motivo de preocupação. "O formato saturou", explica. "A arte encontrou outra forma de existir em blogs e sites especializados".

Para Coutinho, a decisão de fazer um livro ou uma série de gibis é tomada no momento da concepção do projeto. "Histórias que vão sair como capítulos de uma coisa maior precisam sair do berço como fascículos, senão não funciona", explica. Cachalote, por exemplo, foi pensado como livro desde o começo. "Durante a concepção a diferença é que o artista tem que se acostumar com o silêncio por muito tempo", conta.

Quando a história é publicada em série, há um retorno do leitor quase semanal, falando do que gostou, do que acha que poderia ser diferente. Quando se escreve um livro que só será publicado no fim do processo, "a forma com que o artista encara o trabalho muda. Ele tem que aprender a trabalhar com o silêncio. Tem que esquecer que aquilo vai ser publicado e encarar a produção como uma coisa constante, que não vai ser parada", conclui.

PUBLICADO ORIGINALMENTE NO DIVIRTA-SE UAI

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