Principal atração do último dia da IX Bienal Internacional do Livro do Ceará, Mauricio de Sousa ministra hoje a palestra "Como fazer quadrinhos e dar certo no Brasil". Criador da Turma da Mônica, o quadrinhista paulista é o exemplo mais bem-sucedido na história das HQs brasileiras, conjugando qualidades estéticas e sucesso comercial. Em entrevista por telefone ao Caderno 3, Mauricio falou dos planos de voltar à prancheta, de seu sucesso mais recente (a Turma da Mônica Jovem) e de uma de suas referências, o escritor Monteiro Lobato
O público leitor das duas versões da Turma da Mônica é o mesmo? O mangá tem atraído leitores para a turma tradicional?
Acredita que isto está acontecendo também? Nossos leitores da Turma da Mônica Jovem já foram leitores da turminha. Só que o pessoal que tinha abandonado o clássico e voltou quando começamos a produzir desta maneira diferente, como um mangá brasileiro. Acontece que eles ficam saudosos, sentem falta dos personagens crianças e voltam a comprar o gibi. Isso se comprova olhando as vendagens. As vendas dos gibis da turma clássica não sofreram com a chegada da turma jovem. As vendas não caíram, o que indica que um não canibalizou o outro.
Seus personagens se transformam com o tempo, mas mantém suas características essenciais. Você é ligado em novidades? Lê quadrinhos contemporâneos?
O básico é o temperamento do personagem. Nisso você não mexe: tem que continuar. O resto é apreendido pela sociedade. Você não tem como ir contra isto. Hoje, por exemplo, batemos muito nessa questão de inclusão. É o assunto do momento. Hoje temos que bater muito na questão da proteção do meio ambiente. Estes assuntos já apareciam nas revistas da turma. Eu fazia muito isso com o Papa Capim, um pouco com o Chico Bento, mas não fazia com a Mônica. Hoje faço. É uma adequação.
Li que seus pais eram poetas. Acredito que isso signifique que a leitura foi algo bem presente na sua infância. O que você gostava de ler?
Bem, lógico que aprendi a gostar de ler com o gibi. E como todo leitor comum, fui parar no Monteiro Lobato. Li todos os livros infantis dele. Sabia passagens inteiras de cor. Chegou um dia em que o gibi não bastava, que o Lobato não bastava, aí fui pros livros de aventura, Jack London, Julio Verne, você sabe. Depois caí nos romances brasileiros, por causa da escola, e, por conta própria, na literatura internacional. Gosto bastante de Dostoiévski. Eu lia num fôlego só, virei um leitor compulsivo. Houve uma época em minha juventude em que eu lia um livro por dia. Isso me ajudou muito, já que me tornei um escritor de histórias infantis.
Você ainda lê todos os dias?
Não leio tanto quanto gostaria. Eu tento. Leio os jornais diários, todas as revistas semanais e deixo sempre uns livros no criado mudo. Estou voltando a ler Monteiro Lobato. Estou o redescobrindo, não só como escritor e artista que ele era, mas como um empresário, o alucinado, o idealista, o corajoso, às vezes exagerado. Fazia tempo que queria saber mais sobre a história dele e reler os velhos livros infantis, para ter uma base revolução que Lobato provocou. Peguei uma edição especial, comemorativa, que a editora Brasiliense lançou em 82. É um livrão com a obra infantil completa e a história da vida dele. Estou adorando. Na releitura, tenho visto coisas diferentes de quando li na infância. Percebi como sua obra é mais séria do que eu imaginava. É uma pena que Lobato não tenha montado um esquema de perenização da obra e dos personagens, com modernização, para a coisa continuar andando depois de sua morte. No entanto, é uma obra fechada, concluída, de valor inestimável, como crônica de uma época. Tenho aproveitado muito seu exemplo. Encontro ali lições que ajudam, nas coisas que dão certo e nos erros que não posso incorrer.
Lobato foi uma referência para a criação de seu universo infantil?
Não exatamente. Em um ponto sim, que é a irreverência de seus personagens.
Você falou em atualização, e da atenção que dá aos temas atuais. E no campo da linguagem? Você acompanha as novidades dos quadrinhos?
Nisso eu também procuro me atualizar. As pessoas que trabalham comigo me ajudam nisso. O Sidney Gusman (jornalista especializado em HQs e responsável pela área de Planejamento Editorial da Mauricio de Sousa Produções) me ajuda bastante. Você conhece é um ´expert´, um cara que conhece tudo, sabe de tudo que está saindo. Procuro estar inteirado de tudo: os assuntos do momento, as tendência, as moda. Se a moda é bruxo, vampiro, vemos uma forma de trazer para nossas revistas, através das paródias - que é algo que fazemos há muito tempo. Estar inteirado é realmente uma preocupação minha. Estamos sempre atentos.
Ainda sobra tempo para escrever roteiros, criar argumentos ou desenhar alguma coisa?
Não, infelizmente não. Tenho uma equipe de excelentes auxiliares, os roteiristas que escrevem as histórias das nossas revistas. Falo com eles, dou umas ideias e criamos um trabalho coletivo. A minha função nesse trabalho é o de editar, de orientar os meninos, de aceitar ou não aceitar o que é sugerido, de propor mudanças,... Adoraria ter tempo para fazer um pouco mais. Estou preparando minha filha Marina para cuidar da casa e espero poder voltar a criar. Quando isso acontecer, quero escrever textos para livros infantis e tiras de jornal.
Com as tiras, você volta as origens.
Isso mesmo. Adoro o formato. A tira me permite fazer uma história em quadrinhos jornalística. É mais ágil e posso falar do que está acontecendo no momento.
Você já quis criar algo fora do universo de seus personagens, como quadrinho de super-herói? Algo na linha de Will Eisner, envolvendo autobiografia, drama?
Não. Mas você sabe porquê? Porque não sei fazer isso. O que sei fazer bem é o que boto nas nossas revistas. E hoje mau tenho tempo de fazer o que sei fazer com quadrinhos. Nunca quis entrar nestas áreas, pois seria uma experimentação. Podia não ficar bom. Além disso, pensando em termos comerciais, o que fazemos na Maurício de Sousa Produções rende melhor do que estes outros segmentos.
O que você pensa destes projetos MSP - 50?
Foi uma aposta que fiz nas comemorações dos meus 50 anos de carreira (celebrados em 2009). Sempre quis ver a releitura de grande artistas para o nosso material. Uma vez, acho que nos 30 anos da Mônica, fizemos uns posteres. Pedimos a artistas do mundo inteiro. Ficou lindo! Tinha Will Eisner (lenda das HQs nos EUA), Guido Ceprax (italiano, famoso pelas aventuras eróticas da personagem Valentina). Desde então, existia a ideia de fazer a mesma coisa com quadrinhos. O pessoal reagiu bem ao primeiro volume (do qual participou o cearense Daniel Brandão), tanto que estamos preparando o segundo.
Acredita que isto está acontecendo também? Nossos leitores da Turma da Mônica Jovem já foram leitores da turminha. Só que o pessoal que tinha abandonado o clássico e voltou quando começamos a produzir desta maneira diferente, como um mangá brasileiro. Acontece que eles ficam saudosos, sentem falta dos personagens crianças e voltam a comprar o gibi. Isso se comprova olhando as vendagens. As vendas dos gibis da turma clássica não sofreram com a chegada da turma jovem. As vendas não caíram, o que indica que um não canibalizou o outro.
Seus personagens se transformam com o tempo, mas mantém suas características essenciais. Você é ligado em novidades? Lê quadrinhos contemporâneos?
O básico é o temperamento do personagem. Nisso você não mexe: tem que continuar. O resto é apreendido pela sociedade. Você não tem como ir contra isto. Hoje, por exemplo, batemos muito nessa questão de inclusão. É o assunto do momento. Hoje temos que bater muito na questão da proteção do meio ambiente. Estes assuntos já apareciam nas revistas da turma. Eu fazia muito isso com o Papa Capim, um pouco com o Chico Bento, mas não fazia com a Mônica. Hoje faço. É uma adequação.
Li que seus pais eram poetas. Acredito que isso signifique que a leitura foi algo bem presente na sua infância. O que você gostava de ler?
Bem, lógico que aprendi a gostar de ler com o gibi. E como todo leitor comum, fui parar no Monteiro Lobato. Li todos os livros infantis dele. Sabia passagens inteiras de cor. Chegou um dia em que o gibi não bastava, que o Lobato não bastava, aí fui pros livros de aventura, Jack London, Julio Verne, você sabe. Depois caí nos romances brasileiros, por causa da escola, e, por conta própria, na literatura internacional. Gosto bastante de Dostoiévski. Eu lia num fôlego só, virei um leitor compulsivo. Houve uma época em minha juventude em que eu lia um livro por dia. Isso me ajudou muito, já que me tornei um escritor de histórias infantis.
Você ainda lê todos os dias?
Não leio tanto quanto gostaria. Eu tento. Leio os jornais diários, todas as revistas semanais e deixo sempre uns livros no criado mudo. Estou voltando a ler Monteiro Lobato. Estou o redescobrindo, não só como escritor e artista que ele era, mas como um empresário, o alucinado, o idealista, o corajoso, às vezes exagerado. Fazia tempo que queria saber mais sobre a história dele e reler os velhos livros infantis, para ter uma base revolução que Lobato provocou. Peguei uma edição especial, comemorativa, que a editora Brasiliense lançou em 82. É um livrão com a obra infantil completa e a história da vida dele. Estou adorando. Na releitura, tenho visto coisas diferentes de quando li na infância. Percebi como sua obra é mais séria do que eu imaginava. É uma pena que Lobato não tenha montado um esquema de perenização da obra e dos personagens, com modernização, para a coisa continuar andando depois de sua morte. No entanto, é uma obra fechada, concluída, de valor inestimável, como crônica de uma época. Tenho aproveitado muito seu exemplo. Encontro ali lições que ajudam, nas coisas que dão certo e nos erros que não posso incorrer.
Lobato foi uma referência para a criação de seu universo infantil?
Não exatamente. Em um ponto sim, que é a irreverência de seus personagens.
Você falou em atualização, e da atenção que dá aos temas atuais. E no campo da linguagem? Você acompanha as novidades dos quadrinhos?
Nisso eu também procuro me atualizar. As pessoas que trabalham comigo me ajudam nisso. O Sidney Gusman (jornalista especializado em HQs e responsável pela área de Planejamento Editorial da Mauricio de Sousa Produções) me ajuda bastante. Você conhece é um ´expert´, um cara que conhece tudo, sabe de tudo que está saindo. Procuro estar inteirado de tudo: os assuntos do momento, as tendência, as moda. Se a moda é bruxo, vampiro, vemos uma forma de trazer para nossas revistas, através das paródias - que é algo que fazemos há muito tempo. Estar inteirado é realmente uma preocupação minha. Estamos sempre atentos.
Ainda sobra tempo para escrever roteiros, criar argumentos ou desenhar alguma coisa?
Não, infelizmente não. Tenho uma equipe de excelentes auxiliares, os roteiristas que escrevem as histórias das nossas revistas. Falo com eles, dou umas ideias e criamos um trabalho coletivo. A minha função nesse trabalho é o de editar, de orientar os meninos, de aceitar ou não aceitar o que é sugerido, de propor mudanças,... Adoraria ter tempo para fazer um pouco mais. Estou preparando minha filha Marina para cuidar da casa e espero poder voltar a criar. Quando isso acontecer, quero escrever textos para livros infantis e tiras de jornal.
Com as tiras, você volta as origens.
Isso mesmo. Adoro o formato. A tira me permite fazer uma história em quadrinhos jornalística. É mais ágil e posso falar do que está acontecendo no momento.
Você já quis criar algo fora do universo de seus personagens, como quadrinho de super-herói? Algo na linha de Will Eisner, envolvendo autobiografia, drama?
Não. Mas você sabe porquê? Porque não sei fazer isso. O que sei fazer bem é o que boto nas nossas revistas. E hoje mau tenho tempo de fazer o que sei fazer com quadrinhos. Nunca quis entrar nestas áreas, pois seria uma experimentação. Podia não ficar bom. Além disso, pensando em termos comerciais, o que fazemos na Maurício de Sousa Produções rende melhor do que estes outros segmentos.
O que você pensa destes projetos MSP - 50?
Foi uma aposta que fiz nas comemorações dos meus 50 anos de carreira (celebrados em 2009). Sempre quis ver a releitura de grande artistas para o nosso material. Uma vez, acho que nos 30 anos da Mônica, fizemos uns posteres. Pedimos a artistas do mundo inteiro. Ficou lindo! Tinha Will Eisner (lenda das HQs nos EUA), Guido Ceprax (italiano, famoso pelas aventuras eróticas da personagem Valentina). Desde então, existia a ideia de fazer a mesma coisa com quadrinhos. O pessoal reagiu bem ao primeiro volume (do qual participou o cearense Daniel Brandão), tanto que estamos preparando o segundo.
FIQUE POR DENTRO
O tesouro esquecido
Não é todo dia que se vê publicado um álbum de quadrinhos como "O Pavão Misterioso", parceria das editoras Tupynanquin, de Fortaleza, e Luzeiros, de São Paulo. Trata-se de uma quadrinhização do cordel clássico do poeta paraibano José Camelo (1885 - 1964), feita pelo desenhista Sérgio Lima, autor da mesma geração de mestres do quadrinho nacional, como Eugenio Collonese e Nico Rosso. Lima ficou mais conhecido como autor de histórias de terror. Trabalhando com o folheto, manteve os versos do original e deu-lhes imagens em preto e branco, de traço realista e minimalista. A adaptação foi lançada em um pequena tiragem, em formatinho, em meados dos anos 60 e não teve grande repercussão. Agora em formato de luxo, com tratamento digital e novo letreiramento feito por Klévisson Viana (veterano nas artes do cordel e do quadrinho), o "Pavão" em HQ reaparece e já se impõe como clássico dos dois gêneros. As editoras prometem mais títulos, no mesmo formato. Parte do material pertence aos arquivos da Luzeiros, que trabalhou com adaptações do gênero nos anos 50 e 60. O álbum será lançado hoje, às 10 horas, no Espaço João Miguel de Cordel
Frases
"Houve uma época em minha juventude em que eu lia um livro por dia"
"Chegou um dia em que o gibi não bastava, aí fui pros livros de aventura"
"Os gibis da turma clássica não sofreram com a chegada da turma jovem"
MAIS INFORMAÇÕES:
IX Bienal Internacional do Livro do Ceará. Até hoje, Centro de Convenções (Av. Washington Soares, 1141). Site: www.bienaldolivro.ce.gov.br
FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE
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