domingo, 11 de abril de 2010

A revolução do cartoon


Reportagem do Correio Braziliense

Coisa de criança ou apenas um descanso na leitura do jornal? Seja para fazer críticas à sociedade ou deixar os pequenos a par dos clássicos da literatura, os quadrinhos já não sofrem (tanto) com o preconceito de tempos anteriores — e provam que podem ser muito mais que mero entretenimento. O próprio status do quadrinista está mudando, conforme o leitor poderá constatar nas páginas seguintes. A Revista conversou com diversos profissionais do meio e eles são unânimes em afirmar: esse é um mercado em franca ascensão.


Essa pequena revolução veio à tona graças à popularização da internet, hoje a melhor vitrine tanto para os artistas veteranos quanto para os novatos. “Quando fazíamos revistas em fotocópias, raramente tínhamos retorno”, reconhece o cartunista José Alberto Lovetro, presidente da Associação dos Cartunistas do Brasil. “E era muito difícil chegar a ser publicado.”

Agora, com a ajuda da web, os artistas publicam seus desenhos sem intermediários — e entram em contato direto com seu público leitor. Com quase 82 mil seguidores em sua conta do Twitter, o cartunista Mauricio de Sousa é um exemplo de interatividade. “Nas conversas que ele tem com os leitores, ele modifica algumas histórias”, explica Lovetro. Com a estratégia, o cartunista consegue, de quebra, manter a fidelidade do leitor, que se sente coautor das histórias. “O leitor quer ver se saiu o que ele comentou”, completa.

A debandada dos quadrinhos para o mundo virtual tem outro motivo bem concreto: o pouco espaço dedicado às tiras nos jornais diários. Relutantes quando o assunto é investir em novos artistas, os periódicos preferem a segurança de tiras já consagradas — muitas delas produzidas fora do Brasil. O páreo com os gringos é duro, mas não impede o país de ter seu lugar ao sol. “A gente arrisca, mas tem uma quantidade limitada de lançamentos, e acabamos publicando o que a gente gosta, o que a gente conhece”, reconhece Marcelo Salles, editor da Conrad, casa do best-seller Calvin e Haroldo, do norte-americano Bill Waterson. Entre os brasileiros, a editora apostou as fichas, por exemplo, nos trabalhos de Flavio Colin, Allan Sieber e Arnaldo Branco.

A chegada dos gibis às livrarias também ajudou a dar um ar mais sério às tirinhas. Não mais renegados à sessão infantil, romances gráficos e coletâneas de tirinhas têm agora sessão própria nas lojas. Em compensação, os quadrinhos mais refinados dificilmente são encontrados em bancas de jornal. A estratégia de mercado é simples: diversificar o número de títulos disponíveis para operar com tiragens médias e pequenas.

A dificuldade de publicação, a censura ao conteúdo das tiras e a competição acirrada são apenas algumas das dificuldades enfrentadas pelos cartunistas que sonham em ver seus personagens no imaginário popular. Para o carioca André Dahmer, criador das ácidas tirinhas dos Malvados, o interesse por quadrinhos é “alavancado por uma boa e eventual geração de quadrinistas”. Se, nos anos 1980, artistas como Laerte, Glauco e Angeli peitaram a caretice do mercado com publicações como Chiclete com Banana, hoje a transgressão é anônima e via e-mail. “Toda semana me enviam tiras ótimas, trabalhos que sei que logo vão ficar conhecidos porque são realmente acima da média”, exemplifica o cartunista, ele próprio revelado pela web.

Orgulhoso de sua independência, Dahmer mantém um site no qual exibe suas criações e comercializa desenhos originais, livros, canecas e camisetas estampadas com seus personagens. “Sempre lutei para ser dono do meu trabalho e não abro mão: não quero ser explorado”, justifica. O retorno, ele esclarece, não é só financeiro. “Quadrinho é uma profissão de fé, como a de professor. Você já viu alguém falar ‘quero ser professor de geografia para ficar rico?’”, dispara.

Para o cartunista gaúcho Allan Sieber, também popular na internet, a consolidação do mercado brasileiro de quadrinhos se deu de cinco anos para cá, com a iniciativa de algumas editoras de criar selos especializados em quadrinhos. “Hoje, o quadrinho nacional tem uma visibilidade muito boa, com uma quantidade de lançamentos que não existia há 10 anos”, diz. O artista, porém, mostra preocupação quanto à diversidade de títulos nas bancas. “Devido a sucessivas crises econômicas, as revistas nacionais de humor foram para o saco. Hoje, só tem mangá”, diz Sieber, referindo-se às histórias em quadrinhos em estilo japonês, uma verdadeira febre entre os leitores brasileiros.

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