segunda-feira, 26 de abril de 2010

Musa da boemia francesa


O artista plástico polonês Moise Kisling era seu grande amigo. Bem como o pintor japonês Fujita Tsuguharu. Com o fotógrafo norte-americano Man Ray(1), ela viveu um romance intenso. O bairro boêmio de Montparnasse, em Paris, era seu habitat. Lá, Kiki dividia seu tempo entre taças de vinhos nos cabarés e restaurantes, drogas e uma minúscula quitinete, compartilhada com o parceiro por um bom tempo. Por essas informações descritas acima, o leitor talvez possa não identificar Alice Ernestine Prinn. Foi justamente dessa necessidade de mostrar ao mundo um dos grandes nomes da boemia francesa do século 20 que o ilustrador Catel Muller e o escritor Jose-Louis Bocquet produziram a graphic novel Kiki de Montparnasse, recém-editada no Brasil pelo selo Galera Record.

Em um trabalho de pesquisa minucioso, os autores se debruçaram sobre a história de Kiki a fim de corrigir essa lacuna. Os textos de Bocquet são limpos e se casam perfeitamente com o traço ágil de Catel. Nas mais de 400 páginas de Kiki de Montparnasse, dá para perceber que a moça vivia cada minuto intensamente. Nascida em 1901 na região da Borgonha, ela foi criada pela avó — com quem mantinha uma ótima relação — e não sabia quem era realmente seu pai. Ao deixar a pequena comunidade Châtillon-sur-Seine, com apenas 12 anos de idade, ficou para trás a vida de “caipira” (nas palavras da própria mãe, que a levou para a capital abandonando-a nas ruas logo depois, porque o namorado mais jovem não a aceitava) e um amadurecimento precoce foi necessário.

Mas foi na rua, sobrevivendo a pão e vinho e passando frio, que Alice Prinn descobriu a boemia francesa e virou Kiki de Montparnasse. O amigo Kisling fez as primeiras pinturas, que conquistaram os intelectuais pelos traços exóticos e sensuais. “Kiki, seu olhar mexe comigo”, afirmava Man Ray durante as sessões fotográficas no ateliê-quitinete. “Para ver a beleza, é preciso ver a luz”, dizia o artista norte-americano, atuante direto no movimento Dadaísmo.

Música e pintura
Além de modelo de Man, Kisling, entre outros, Kiki se aventurou pela música e nas artes plásticas. A artista chegou inclusive a faturar com os quadros vendidos numa exposição. Hoje, as obras são verdadeiras relíquias. Nos cafés parisienses, encantava os frequentadores com sua música “picante”. Ela inclusive gravou discos e viajou a cidades como Berlim para mostrar seu trabalho. A vida pobre agora era coisa do passado. O glamour francês nos loucos anos de 1920 era cada vez mais a realidade.

Amiga de ícones da cultura mundial como Jean Cocteau, Marcel Duchamp, André Breton, Ernest Hemingway(2), Kiki foi eternizada em pinturas, esculturas, filmes experimentais e fotografias. O quadro Kiki de Montparnasse de vestido vermelho, feito por Kisling é uma das peças mais conhecidas. Por Kiki de Montparnasse, os autores Catel Muller e José-Louis Bocquet faturaram o prêmio Prix Essentiel, em 2008, e um ano antes levaram para casa o Grand Prix RTL Comix Strip e o Millespages BD.

1 - Surrealismo
Parceiro de Kiki por vários anos, Man Ray é o pseudônimo de Emmanuel Rudnitzky. Cineasta, pintor e fotógrafo, ele atravessou o Oceano Atlântico em 1921, a convite do amigo Marcel Duchamp. Ao lado de Marcel e de nomes como Tristan Tzara e André Breton, foi um dos responsáveis pela ruptura com o movimento surrealista.

2 - Corpo bonito
Ernest Hemingway conheceu Kiki no Dingo Bar, em Paris. Sobre a artista, ele observou: “Tendo recebido de início um lindo rosto, ela soube fazer dele uma obra de arte. Tinha um corpo de uma beleza maravilhosa e uma linda voz, uma voz que fala, não uma voz que canta”. O escritor escreveu o prefácio na versão americana da biografia Memórias de Kiki, censurada nos Estados Unidos.


FONTE: CORREIO BRASILIENSE

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