Uma exposição em São Paulo faz mais uma homenagem ao cartunista Glauco, morto aos 53 anos no último mês de março. Organizada pelo colega Orlando, 28 artistas reuniram-se para, cada um a seu modo, reverenciar o pai do antológico Geraldão e de outros personagens célebres. A mostra Fala Panga! permanece até 30 de maio, na Pizza do Babbo, ponto tradicional de encontro de desenhistas em Pinheiros, Zona Oeste da capital paulista. "Pode se estender um pouco mais", sugere Orlando, ilustrador e curador da exposição.
Entretanto, impossível não reparar uma ausência: Laerte - amigo e parceiro das antigas - não participa da homenagem. Convidado para fazer parte da exposição, diz que cogitou produzir algo, mas não rolou. "Não consegui chegar a nenhuma ideia que me encantasse, que parecesse razoável, ou que se justificasse perante ao que aconteceu".
Já nos tempos de parceria na série de quadrinhos Os Três Amigos, segundo ele, a ausência muitas vezes foi do Glauco. "Ele nos deixava na mão com uma tranquilidade incomparável, quem fechava os desenhos dele era eu ou o Angeli", recorda o cartunista. "Mas quando ele participava era uma maravilha, uma recompensa por todas as mancadas", arremata Laerte.
Por sua ousadia, a parceria Angeli, Glauco e Laerte, o trio mais revolucionário dos quadrinhos brasileiros, chegou até a enfrentar censura do então editor do caderno Ilustrada, da Folha de S. Paulo, Matinas Suzuki. A tira que não chegou a ser publicada no jornal teve ainda a participação do agregado à trupe, Adão Iturrusgarai. "Aparecia na história uns caras com muletas, sem pernas, aí o Matinas mandou tirar", recorda Laerte.
"E aí panga?"
Para quem não sabe o termo 'panga', que inspira o título da mostra, é uma corruptela de pangaré, modo 'carinhoso' como Glauco se dirigia aos jornalistas do jornal Folha de S. Paulo, onde trabalhava desde a década de 1970. "Era como ele se dirigia aos colegas antes de desfiar um rosário de piadas e expressões sempre particulares e muito engraçadas", diz Orlando, que conviveu com o cartunista durante os anos 1980 na redação da Folha. "Provavelmente, não há pessoa que tenha trabalhado ou convivido com ele que não tenha pelo menos uma dezena de pequenas histórias tendo o Glauco como personagem", acrescenta.
"Gênio, amigo, figurinha carimbada, nosso John Lennon, não importa", prossegue Orlando. "O que fica agora é sua obra, a capacidade de contar a mesma piada centenas de vezes e de ela ser sempre boa, o talento de ter conseguido empurrar ladeira abaixo velhos padrões de comportamento e de conseguir com seu traço econômico que nosso mundo, o dos leitores, se tornasse muito melhor", finaliza Orlando.
Outro que guarda lembranças do convívio na redação da Folha é Fernando Gonsales, autor de Níquel Náusea. "Ele era muito gente fina, parecia sempre que havia acabado de chegar de algum ponto diferente do universo". Gonsales, no entanto, também não escapou do lado pentelho do cartunista. "Às vezes, eu tava lá concentrado fazendo uma linha reta, e chegava ele dizendo, 'vai errar, vai errar', e eu errava mesmo".
Humor sem fronteiras
O humor anárquico de Glauco, crítico e de traços simples, não conheceu fronteiras, e arrebanhou admiradores por todos os cantos do País. Caso do chargista, cartunista e músico, o carioca Aroeira, que o conheceu em uma visita à Folha, décadas atrás, e que não esconde sua admiração. "Saltava aos olhos aquela maneira diferente de mostrar o movimento, com os vários braços e pernas freneticamente agitados de seus personagens", conta.
Ele destaca o estilo do humor de Glauco, "a piada, seca, curta, rápida". E cita uma de suas preferidas, uma tirinha dos famigerados tempos do congelamento de preços, durante o governo Sarney. "O pai na mesa de jantar diz pra mãe, 'não tem carne?', e o filho pergunta, 'o que qui é carne?', isso já no 2º quadrinho. No terceiro, tá a criança esperneando no chão gritando, 'eu quero carne' e a mãe dando um esporro no pai, 'agora arranja!'.
FONTE: REVISTA BRASILEIROS
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