sexta-feira, 2 de abril de 2010

A Turma da Mônica Jovem e a história do mangá no Brasil


Texto de : Erico Molero

Com Turma da Mônica Jovem, que o estúdio de Maurício de Sousa lançou em agosto do ano passado, fomos surpreendidos por quadrinhos misturando características brasileiras e japonesas. Apesar do estranhamento dos otaku mais radicais, e os fãs de Turma da Mônica se espantarem com um Cascão que toma banho e uma Magali que faz regime, o título vem fazendo grande sucesso neste primeiro ano de existência, num fenômeno raro nos quadrinhos nacionais.

No entanto, esta mistura de mangá e HQ brasileira é produto de um longo processo, que já vem sendo desenrolado há um bom tempo no Brasil, assimilando o estilo japonês ao nosso modo de fazer quadrinhos.

O mangá em si veio da mistura de estilos. O Japão já tem tradição de quase mil anos em história com desenhos sequenciais (com os Choujuu Jinbutsu Giga - histórias do cotidiano japonês retratadas com figuras de bichos agindo como humanos, dos séculos XII e XIII), mas o primeiro mangá de fato veio com influência ocidental, em 1862, e eram tiras de quadrinhos de jornal (seguindo uma tendência mundial: Rodolphe Töpffer criara os quadrinhos, sem balões, em 1845, que logo se espalharam por todo o globo. No Brasil, Angelo Agostini fez as primeiras HQs em 1867). Embora bem ocidentalizado, já tinha alguns traços e humor típicos japoneses. Nos anos 1950, Osamu Tezuka criou personagens com olhos grandes e expressivos inspirados nos desenhos animados de Disney, porém menos idealizados, repletos de sentimentos, característica comum nas narrativas japonesas. Estavam plantados os fundamentos do estilo mangá atual. Curiosamente, hoje em dia vemos uma tendência oposta: os mangás influenciando os cartoons americanos.

No Brasil, o mangá entrou com os imigrantes japoneses, que mantiveram a língua e continuavam consumindo livros e revistas do Japão. Entre elas, o mangá. Minami Keizi foi pioneiro no estilo em terras brasileiras, nos anos 1960. Não apenas o estilo diferente de traço e narrativa fascinavam Keizi, mas também a especialização e variedade dos tipos de quadrinhos que existiam no Japão: havia mangás para crianças, adolescentes e adultos, homens e mulheres, mangás de esporte, de propaganda política, enfim: era difundido em toda população o hábito da leitura de quadrinhos.

Assim, Minami Keizi publicou o primeiro mangá brasileiro: Álbum Encantado, em 1966, pela editora Pan Juvenil. Tupãzinho, também de 1966, misturava a influência de Astroboy - de Osamu Tezuka - com Brasinha, da Harvey Comics americana. Logo, Keizi organizaria um time de quadrinistas que, entre outros estilos, produziram os primeiros mangás nacionais: além dele mesmo,Fernando Ikoma, Cláudio Seto, Paulo Fukue, Fabiano Júlio Dias,Roberto Fukue, entre outros. Por problemas com dívidas da Pan Juvenil, a editora é fechada, e Keizi ajudou a criar a Edrel, que publicaria clássicos do gênero como Ninja, o Samurai Mágico, O Samurai e O Ídolo Juvenil. Vale destacar o desenho de Cláudio Seto nestes títulos, um dos maiores mangakás (desenhista de mangá) do Brasil.

Em paralelo a esses primeiros mangás, Keizi e sua equipe seguiram a filosofia japonesa da especialização e segmentação de títulos em quadrinhos, publicando revistas para adultos (com cenas violentas e eróticas), para crianças, revistas de humor, títulos com heróis totalmente nacionais como Fikom e Pabeyma. Infelizmente, a Edrel atuava numa época de ditadura militar, que censurava seus títulos, e já começou suas atividades com as dívidas da Pan Juvenil. Resistiu bravamente até 1975.

Depois da editora Edrel, os mangá no Brasil praticamente sumiram das bancas. Mas alguma coisa ainda foi publicada. Um exemplo disso foi a editora Bico de Pena, que no ano de 1982 pôs nas bancas alguns título de mangá comoRobô Gigante (de Watson Portela e Franco de Rosa), e Super-Pinóquio (com texto e arte de Cláudio Seto). Também nesse período de letargia do mangá nacional, foi criada a ABRADEMI (Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações) em 1984. Mesmo com tal iniciativa, a baixa demanda não empolgava editora alguma a publicar o gênero no Brasil.

No final dos anos 1980 e começo dos 1990, três fatores se juntariam para alavancar os quadrinhos japoneses no Brasil novamente, e não seria exagerado dizer que tais fatores formariam uma base sólida para a atual popularidade dos mangás nas bancas de nosso país.

O primeiro sinal de retomada do interesse nos mangás foi com a publicação, em 1988, de Ronin, de Frank Miller (inspirado em Lobo Solitário de Goseki Kojima e Kazuo Koike), pela editora Abril. Ronin foi apenas o primeiro contato no Brasil com a invasão da cultura de massa japonesa que estava ocorrendo nos EUA. O traço violento e a construção caótica dos quadrinhos caíram no gosto do público mundial, e não foi diferente no Brasil. Isso encorajaria as editoras a publicarem alguns títulos japoneses (que eram traduções de versões americanas), como o próprio Lobo Solitário (em 1988, pela Cedibra, e em 1991, pela Sampa),Crying Freeman (1990), também pela Sampa (a mesma Sampa que publicou material de mangá do brasileiro Julio Shimamoto), e Mai, A Garota Sensitiva e A lenda de Kamui, pela Abril. Akira, animação japonesa de Otomo Katsuhiro, também era outro reflexo dessa invasão cultural japonesa nos EUA. Sucesso também no Brasil, logo foi publicado o original em mangá, traduzido do inglês, pela editoraGlobo (1990).

O segundo fator foi a chegada de máquinas de Arcade mais modernas nos fliperamas, em especial Street Fighter (1987) eFinal Fight (1989). A segunda versão de Street Fighter,Street Fighter 2 (de 1991), tornou-se uma febre na época, inspirando novos artistas de mangá. Os videogames, com títulos como Megaman e Sonic, entram também neste cenário. Percebendo este fato, a editora Escala foi a que mais investiu em quadrinhos do tipo, lançando títulos sobre os videogames mais populares. Destaque para Street Fighter II, revista da editora Escala de 1993 a 1996, cujos últimos números foram desenhados por artistas brasileiros, como Alexandre Nagado, Neide Harue,Alexandre Silva, Arthur Garcia, entre outros.

Finalmente, o terceiro fator e talvez o mais importante, foi o papel da TV na popularização da cultura de massa japonesa.

Desde os anos 1960, com National Kid, seguindo nos anos 1970 e 80 com Ultraman, Ultraseven e outros Ultra, com animações do gênero Osamu Tezuka - Princesa e o Cavaleiro, Menino Biônico (Astroboy), etc , as séries de TV japonesas sempre tiveram público cativo. Porém, isto não se transferia para os quadrinhos no Brasil, que já tinham uma boa diversidade de publicações suprindo o mercado. Foi a TV Manchete que começou a nova onda de popularização da cultura japonesa, que viria refletir anos mais tarde no domínio de uma boa parte dos títulos de HQs no Brasil pelo estilo mangá.

A TV Manchete apenas foi a via de escoamento dos programas nipônicos que já espalhavam suas raízes ocidente afora. Timidamente, desde 1983 com animês comoPirata do Espaço, a Manchete já tinha experiência em veicular material japonês. Mas foi somente em 1988, colocando no ar os seriados Jaspion e Changeman, que as crianças e adolescentes começaram a voltar seu interesse maciçamente ao oriente. Logo lançaria novos programas do gênero, com Lionman, Jiraya, Black Kamen Rider e congêneres. Assim, as editoras Ebal e Abril fariam gibis com tais heróis, onde os brasileiros como Alexandre Nagado e Marcelo Cassaro seriam os responsáveis pelos desenhos.

Em 1994, a Manchete lançou a série de animação Os Cavaleiros do Zodíaco, sucesso absoluto em território nacional. Abrir-se-iam então as portas para a entrada da imensa produção de animação japonesa, a começar por Yuyu Hakusho, Dragon Ball Z, Pokémon, Sailor Moon, e tantos outros. Sucesso que não se interrompeu até os dias de hoje, com a criação até mesmo de um canal pago especialmente para o tema (Animax).

Instigados pelo enfoque diferente dos animês, surgem vários títulos de mangá de artistas nacionais com pequena tiragem. A Animax, publicação dos anos 1990 sobre cultura popular japonesa, estimulou o surgimento de fanzines de mangá. Hypercomix, Megaman, Mangá Booken (onde o desenhista Fábio Paulino teve participação), são exemplos dessa produção.

Já nos anos 2000, a editora JBC (que surgiu na comunidade brasileira no Japão, e começou a publicar material também no Brasil) e a Conrad, impulsionaram o domínio que os mangás atingiram nas bancas brasileiras. A Conrad introduziu o "método japonês" de leitura dos mangá, que começa de trás para frente, e iniciou também a publicação em formato luxuoso de bons títulos de mangá, como Adolfe Preto & Branco. Com o espaço aberto pelos quadrinhos japoneses legítimos, os mangakás brasileiros tiveram a oportunidade de colocar seu material nas bancas.Combo Rangers (com roteiros de Fábio Yabu), Brasimon, Defensores de Tóquio (Edu Francisco, Sérgio Peixoto Silva, entre outros), Pequeno Ninja Mangá (com desenhos de Bruno Paiva), Holy Avenger (com Marcelo Cassaro) são alguns títulos surgidos neste período.

Esses novos ares nos mangás nacionais propiciaram ao estúdio de Maurício de Sousa o ambiente necessário para a série Turma da Mônica Jovem. Não é de hoje o interesse de Maurício pelo Japão, ele mesmo já teve alguns encontros com Osamu Tezuka em pessoa. A sacada realmente foi juntar Mônica e sua turma com o traço oriental, o que causou empatia imediata no público. Vale lembrar que manganização já não é novidade, podemos ver com as personagens da Marvel e da DC, nas versões mangá de Homem-Aranha eJovens Titãs, por exemplo. Muito menos transformar personagens-criança em adolescentes-mangá, como no caso do desenho animado Powerpuff Girls Z. Mas é realmente interessante ver o surgimento de um estilo mangá-brasileiro, com a fusão cultural dos dois países. É lamentável, porém, o estúdio de Maurício de Sousa continuar com a antiga política de não colocar crédito aos artistas que participam da produção das histórias, coisa que até os estúdios Disney já fazem há bom tempo. Seria uma ótima ideia já que a onda é de mudanças editoriais.

De qualquer forma, é extremamente positivo o sucesso de Turma da Mônica Jovem. Outros títulos já surgem tais quais Luluzinha Teen e sua Turma. Também vemos ressurgir a tentativa de segmentação de publicações tentada por Minami Keizi nos anos 1960 e 1970, com Timão em Estilo Mangá e o projeto para quadrinização em mangá da história de Michael Jackson. Seria interessante, com esse campo aberto para os artistas brasileiros, que não apenas mangás, mas outros estilos e técnicas conseguissem espaço nas editoras, ampliando e renovando o leque de títulos em HQ nacionais.

FONTE: GUIA DOS QUADRINHOS


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